É assustador para o médico(a) ouvir Doutor, não consinto! Enquanto não treinado para lidar com tal barreira operacional. Dá a terrível sensação de ter ficado agarrado à lâmpada que recém trocara no teto ao perceber que lhe tiraram a escada. E agora? Uma missão da Bioética da Beira do leito é cuidar para a absorção do “sentir-se sem chão”, facilitar a revelação e a compreensão das evidências sobre o que acontece – mas, por favor, sem nenhum entendimento de “Agora os problemas acabaram!”. Pé no chão! Resgate ao domínio de si.
É de se supor que médicos(as) convivem também – um dia sim, outro também – com paciente e/ou familiar que seguidamente expressam dúvidas, desconfianças, objeções, assim tornando o clima pesado e a conexão médico⇔paciente desagradável. É o consentimento do paciente constantemente sob judice que faz permanentemente piscante a luz amarela do semáforo da beira do leito. A Bioética da Beira do leito conjectura que uma das causas de grosserias do paciente é a sensação de perda do controle sobre a própria vida que é assumida pela doença e da qual o médico(a) se torna um malquisto porta-voz, ou seja, não representa rejeição ao profissional.
Neste contexto, a maturidade profissional absorve que eventuais insucessos transitórios da terapêutica não devem provocar ênfase em justificativas relacionadas “gravidade da sua doença”, mas numa “virada de página” e foco no novo planejamento num equilíbrio entre realismo e otimismo.
Configuram-se disputas de opinião que podem atingir níveis que fazem o médico(a) sentir-se questionado em sua autoridade, inclusive a ponto de perceber-se ambivalente em relação a sua responsabilidade profissional. É muito ruim! Desesperos acontecem associados ao temor de que atualmente os jovens médicos muito se queixam: “Sinto que estou sendo ameaçado de vir a ser processado”. O burnout espreita!
Cada encontro desta natureza estressa não somente pela antecipação como também pelo tipo de diálogo exigido que consome um tempo quantitativo. Geração a geração de médicos desenvolveu-se um estereótipo negativo de paciente/familiar “diferente” com potencial de causar dificuldades, entendendo-se como estereotipagem a percepção de um indivíduo que pertencente a um grupo expressa características peculiares. Médicos típicos irmanados por serem filhos universais do Pai da medicina (Hipócrates, 460 aC-370 aC), cuidando de pacientes atípicos é circunstância que cai nos aspectos indesejados, incômodos do profissionalismo chamados de ossos do ofício.
Um corolário positivo é o de estimular o desenvolvimento de uma reação para reconforto – um instinto de sobrevivência profissional – na figura de um par formado por diálogo qualitativo – seleção “cirúrgica” do ouvir-se ouvir e do ouvir-se dizer – e reforço da real segurança de seus atos, o que significa expressar-se tendo nas entrelinhas o recado de até posso tolerar suas opiniões, mas estou ciente do que faço, a intenção é sempre no sentido da beneficência e, afinal, este território está sob minha consciência, seriedade e competência. O sentido de quem domina o espaço da conexão médico⇔paciente numa consideração qualitativa que, apesar dos pesares, precisa preservar o domínio da comunicação não violenta de Marshall Rosenberg (1934-2015) e um alto nível da humildade relativa do ar.