Expressei ao paciente o que ocorria no ritmo cardíaco tendo o cuidado de reforçar que se tratava de acontecimento frequente, perfeitamente reversível e nada comprometedor da cirurgia em si e dos benefícios pós-operatórios pretendidos. O diálogo concentrou-se no porque a disritmia não tinha provocado sintomas. Amenizou o impacto. Algumas horas depois, uma combinação de medicamentos devolveu ao nó sinusal o comando da atividade elétrica cardíaca que a inflamação pós-operatória havia destituído. O tum-tac compassado retornou, a linguagem do coração que tanto apreciamos.
Percebi pela enésima vez que por mais que supomos nos conhecer, fazemos coisas que se momentos antes alguém me tivesse indagado teria respondido: – Imagina, faço o máximo para não assustar o paciente em minhas abordagens profissionais, calibragens comedidas.
Reforço que pela maturidade profissional consigo dar um tom conveniente a cada situação, tanto evitar “terrorismos” quanto excesso de descontração, mas a linguagem corporal é desobediente, contradiz vontades. Como se a face fosse transparente e permitisse a visibilização do cérebro, pensamentos, sentimentos e sensações.
Efeitos da linguagem corporal no outro têm a ver com a distância entre pessoas. Num curto espaço de tempo, a distância médico-paciente modificou o cenário. Entrei no quarto numa distância social que rapidamente tornou-se pessoal – segundo a proxêmica, 45-75 cm para a aproximação e 75-120 cm para o distanciamento, ocasião em conversamos sobre aspectos gerais da noite e do momento. Tudo mudou quando entrei na zona íntima do paciente necessária para o exame físico – segundo a proxêmica, contato real na aproximação e 15-45 cm no distanciamento.
O paciente em questão, ser humano que é, reagiu ao seu modo a expressões externas, no caso a cara que fiz durante o exame físico, ele não é independente, não é um autômato, está numa situação de vida com os mecanismos de alerta ligados no máximo, otimismo e pessimismo duelam. Foi importante ele ter logo entendido a intercorrência clínica, por isso, quem sabe, a linguagem corporal direta que é indomável até possa ser considerada um instrumento benéfico de comunicação, imparcial, realista, sem rodeios, embora passível de provocar emoções que o profissionalismo menos frio e mais caloroso gostaria de escamotear.
Precisamos nos conhecer melhor enquanto profissional da saúde, haja vista que mesmo entendendo que nos conhecemos bem, nos deparamos com desconhecimentos em situações em que ficamos passageiros de conduções automáticas. Treinar é fundamental, ativar a consciência das possibilidades, desenvolver mecanismos protetores reconhecendo as reações dos vários eus que frequentamos perante o maior número possível de impactos profissionais. Não vacina, mas contém.