Aconteceu de fato. Cheguei ao quarto do paciente que acompanho há cerca de 20 anos, entrei com expressão amigável e soltando um sonoro bom dia! Como de costume. Faltavam alguns minutos para as 8 horas, as cortinas estavam abaixadas para evitar o sol já forte. O paciente estava sentado na poltrona entre a cama e janela, pernas cruzadas, sinal clássico de estar confortável.
O paciente sentia-se bem no quarto dia do pós-operatório de uma cirurgia cardíaca, preparara-se psicologicamente para mais desconforto. Estava com um cateter nasal para administração de oxigênio, recomendação do atendimento fisioterápico. A esposa estava tranquila sentada no sofá atenta ao celular, olhar dele desviado apenas para responder ao meu cumprimento.
Algumas perguntas e repostas depois, o paciente já deitado na cama, iniciei o exame físico, demorei um pouco mais na ausculta cardíaca. Nenhuma dúvida, o paciente estava em fibrilação atrial, nada inabitual pelo tipo de intervenção realizada. Assim que terminei, quando punha o estetoscópio no bolso do avental e antes que falasse, o paciente disparou: – O senhor ficou preocupado, algum problema?
Por hábito, procuro verbalizar notícias de problemas de maneira amena, sem colocar uma carga emocional estressante. Aplicar a maturidade profissional na emissão de palavras ao paciente é relativamente fácil, difícil é controlar a expressão não verbal, esta linguagem que parece sempre escapar do controle, por mais que pretendemos não transparecer nosso interior.
Os músculos da face nos traem, nos impedem de dissimular, até mesmo quando estamos conscientes da possibilidade do escape. De repente, uma linguagem corporal de conforto dada pelas pernas cruzadas do paciente sentado é sucedida por uma indutora de desconforto provocada pelo médico. Quantas caras distintas não acontecem na conexão médico-paciente ao longo de um atendimento!
O corpo é um mensageiro que não sabe mentir. A linguagem corporal pode se valer de inúmeros movimentos do corpo advindos do inconsciente. Desde Charles Robert Darwin (1809-1882) entende-se que mesmas emoções provocam mesmas expressões faciais, inclusive independente da cultura. Discute-se se tipos de expressões faciais podem ser criadas, os humoristas são a favor.