Desde Hipócrates (460 aC – 370 aC), o poder dos deuses foi substituído pelo compromisso com o benefício entre seres humanos. Inicialmente, houve, inclusive, a preocupação com o reconhecimento do benefício de fato de um método, haja vista a recomendação hipocrática que não houvesse aplicações incertas que trouxessem risco de produzir maleficência no estilo do pior a emenda do que o soneto (Non nocere).
O progresso da medicina e ciências da saúde em geral, desde então e mais fortemente a partir do século XX, colecionou uma infinidade de métodos classificáveis como geradores de beneficência a doenças/doentes e influentes no cumprimento da ética por apresentarem de fato potencial de benefício na situação clínica. Todavia, acompanhou-se do reconhecimento que também existe tanto a contraindicação que evita arriscar uma beneficência perante maleficência proibitiva, quanto a persistência da indicação justificada e associada ao dever da recomendação/aplicação pela beneficência apesar da potencialidade de maleficência. O clássico risco cirúrgico ilustra e na sua esteira surgiram métodos terapêuticos nomeados como menos invasivos a fim de ampliar a beneficência sobre a maleficência.
Já em relação ao segundo compartimento, que abriga o princípio da autonomia, é um “etileno” de atuação mais recente, sua aplicação coincide com a segunda metade do século XX e admite contraposições “congênitas” com o princípio da beneficência e certa afinidade com a não maleficência.
A contrariedade refere-se à recomendação médica que bem sustentada pelo estado da arte não tem a aplicação consentida pelo paciente por razões individuais, enquanto que a afinidade diz respeito ao entendimento de malefício ou de desinteresse pelo paciente do reconhecido como beneficência pelo médico.
Este “etileno” do amadurecimento sobre o respeito à voz ativa do paciente precisa ser mais trabalhado na beira do leito porque o jovem médico(a) ao ser introduzido na medicina pela porta científica, adquire conhecimentos e habilidades sobre beneficência em superioridade a instruções sobre atitudes face às idiossincrasias do paciente, o que traz desequilíbrios. Uma decorrência é o temor da caracterização de negligência profissional frente a “mãos atadas” por um não consentimento do paciente.
O amadurecimento profissional nesta circunstância, que inclui a valorização do paternalismo, o brando, essencial para evitar a indiferença qual Pilatos, é um dos objetivos “etileno” da Bioética da Beira do leito.
A solidez das bases sociais que deu sustentação ao valor da voz ativa do paciente no processo de tomada de decisão na beira do leito provocou rápida hierarquização do consentimento livre e esclarecido sobre a recomendação médica em situações de eletividade na beira do leito, de modo que a conduta aplicável somente deve ser aplicada pelo médico ao se tornar conduta consentida pelo paciente/responsável indicado. O respeito à “cidadania” beira do leito do paciente é pilar moral da conexão médico-paciente contemporânea.
Curiosamente, o etileno como hidrocarboneto que é, representa-se por duas letras que têm tudo a ver com o amadurecimento do médico(a) e do profissional da saúde em geral no âmbito da contemporaneidade da beira do leito: H de humanismo e C de consentimento.