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1715- Bioética, água e óleo (Parte 2)

O passado profissional superpõe camadas de competência e a memória delas funciona como alicerce experiente para forjar a subsequente. Por grande parte da vida profissional, uma próxima camada é imperiosa a fim de manter o médico atualizado, a atualização como um pensamento recorrente. Há, pois, um renascer constante do médico que se sustenta pelo desejo de aplicar medicina ao paciente de maneira ética, moral e legal num ecossistema como a da beira do leito com adequados recursos bióticos e abióticos.

O aprendiz de medicina ressurge a cada atendimento, pois, sem exceção, mesmo se um professor-doutor altamente projetado, as necessidades e os efeitos do cuidar do paciente promovem ajustes, eliminam algum joio e acrescem algum trigo, decorrências inevitáveis da sala de aula/laboratório que é a beira do leito, o mundo real onde se dão as limitações e as expansões do encontro médico-paciente-medicina. Nenhum médico atuante será totalmente igual no início e ao término do dia de trabalho.

No dia seguinte, o médico é um novo Sísifo empurrando a pedra morro acima, justamente a pedra que contém as fontes das transformações recorrentes. Ademais, se o médico é um Prometeu que carrega o “castigo” eterno por Hipócrates ter roubado a medicina dos deuses do Olimpo e, “acorrentado” à ética, é “bicado no fígado” pelos percalços do cotidiano, ele se normaliza para o próximo dia.

Médico-paciente-medicina formam uma tríade que admite densidades distintas qual água e óleo e distintos óleos, o que traz o potencial de “não se misturarem”. O estudante de medicina começa como água e vai se transformando em óleo com certa densidade à medida que convive com a densa oleosidade da medicina, ou seja, gradua-se com uma especificidade que como já comentado precisa ser aprimorada. O médico jamais deve esquecer que já foi água e óleo de menor densidade. A possibilidade de o encontro médico-medicina com o paciente materializar-se imiscível motiva o Alô Bioética!

Após cerca de 30 anos de militância em Bioética, o ainda testemunho da baixa capilaridade da Bioética no meio médico em geral me faz lembrar da parábola dos cegos e do elefante: o primeiro cego apalpou o animal pela tromba, o segundo pelo rabo, o terceiro pelo corpo, o quarto pela orelha e o quinto pelas patas. Nenhum deles conseguiu entender a totalidade daquele animal, cada um era incapaz de aceitar o que os outros descreviam. A Bioética lida justamente com a reunião expansiva das experiências dissemelhantes, a junção de recortes de modos de percepção num todo.

A Bioética não é uma lenda, mas, com a devida licença ética, ela é ao mesmo tempo enigmática, porque intriga, e mágica, porque encanta. A Bioética da Beira do leito coopera para ampliar o entendimento sobre os vários ângulos de visão de situações da beira do leito, ajustar densidades de óleos e até “transformar” águas sensíveis em óleos que se misturam.

A Bioética não é um agente malicioso que compromete a integridade mental, violenta o domínio do indivíduo sobre seus dados cerebrais de modo que sem o seu consentimento, de maneira coercitiva, provoca alterações indesejadas, não é algemas que privam da liberdade. A Bioética é eficaz indutora de mais abrangência e mais profundidade à pluralidade que engrandece. A Bioética respeita a privacidade mental e a identidade pessoal e, assim, sem meios de violência e bem intencionada, motiva o repensar que reforça ou altera o original, promove novas oportunidades de deliberação sem ferir a liberdade cognitiva. A Bioética é lápis e é borracha, na pretensão de mais adequadamente retratar os melhores interesses da tríade médico-paciente-medicina.

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