Numa atmosfera sujeita a camadas de poluição por conflitos de interesse, deseja-se que a moralidade dos comportamentos numa Pesquisa Clínica esteja de acordo com as regras e os valores de um código moral prescrito como modelar pela sociedade. O atendimento lhe confere admirada reputação pela população e uma visão do pesquisador com honra ilibada.
Este objetivo demanda do cientista-investigador-observador o compromisso maior de respeitar o Código de Ética Médica, atender à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e portar-se com profissionalismo, o que significa colocar os interesses do voluntário de pesquisa acima de qualquer outra consideração.
A migração da condição de paciente para voluntário de pesquisa significa a sua inclusão num espaço misterioso com uma cultura distinta que lhe acresce vulnerabilidade. Há aprofundamento das desigualdades do candidato a voluntário de pesquisa em relação ao pesquisador se comparado com as observadas na relação assistencial médico-paciente.
O candidato a voluntário de pesquisa tem a possibilidade de as reduzir por uma sequência de processamento de informações a respeito do estudo. Ela compreende a recepção, a interpretação e a compreensão, que dão essência para a efetivação de uma opinião. O instrumento universal é uma exposição por escrito estruturada para viabilizar um consentimento -ou não- consciente e livre de coerção sobre a conjuntura da experimentação.
Assim, no contexto do direito à aceitação ou não ao convite para compor o voluntariado, o denominado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é documento obrigatório e da maior relevância moral na Pesquisa Clínica. Ele cria uma dinâmica de comunicação, o pesquisador esclarece ao candidato a voluntário e dele recebe uma posição aquiescente ou não à solicitação. O candidato a voluntário precisa estar com a sua capacidade cognitiva preservada, caso contrário, torna-se indispensável a participação de um seu representante. O diálogo é bem-vindo.
Para que o Termo cumpra o papel do entendimento que sustenta o consentimento é capital que as palavras utilizadas não apenas resumam o tema da pesquisa e exponham generalidades, mas que efetivamente sirvam para que o voluntário faça um juízo aprofundado sobre a conveniência da participação.
O tema da pesquisa em si, embora imprescindível, pouco acrescenta ao esclarecimento e ao consentimento do voluntário. Desenvolveremos uma pesquisa para saber se um novo medicamento contra alergia provoca menos sono do que os atualmente disponíveis, Estudaremos qual artéria do coração é mais frequentemente acometida no diabético idoso, Verificaremos se a ingestão diária do adoçante Sucralose provoca gastrite são informações introdutórias que costumam ter baixo impacto sobre a tomada de decisão pelo voluntário. Do mesmo modo, aspectos genéricos como Será importante contribuição para o conhecimento científico buscam a simpatia mas não devem ser alicerces para o consentimento. Pode, claro, trazer identificação com preocupações, despertar curiosidade, faz ver-se inserido no progresso, mas funcionam mais como manchete balizadora para quem já carrega- ou não- uma predisposição para participar.
As informações que precisam ser interpretadas pelo candidato a voluntário têm mais valor para caracterizar o engajamento consciente, que houve a “metabolização” dos prós e dos contras a respeito do que poderá vir a acontecer com o seu estado de saúde, sua qualidade de vida, sua sobrevida. Por isso, elas precisam existir e provocar um passo-a-passo mental.
A experiência consolida que o pesquisador deve estar plenamente convicto dos objetivos e expressar claramente o que de fato está solicitando- e não o que não está ou de modo vago-, com sinceridade e empatia, cuidando para que não soe como exigência e sempre disposto a verificar -pelo diálogo- como a mensagem enviada está sendo recebida e provocando compreensão sobre a resposta que se aguarda. Evitar palavras de encorajamento ou de aconselhamento representa neutralidade acerca do processo de consentimento.
O filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914) desenvolveu a Teoria dos Sinais. Para ele, chamar de informação exige que seja algo novo para o receptor. Ao valorizar a junção do cognitivo com o pragmático, ele reconhecia o efeito de comunicação com ênfase nas individualidades de interpretação.
Novidade como fato externo e juízo ligado ao que já lhe pertence. O médico recomendou-me a internação é uma novidade, a interpretação depende da carga racional e emocional com que o receptor abraça a informação, incluindo eventuais usos da analogia – “assim que começou o drama do meu pai”- e da imaginação- “vão me forçar a fazer o que eu não quero”.
Numa escala de inquietação do pesquisador acerca da visão do voluntário se vale a pena participar, o predomínio deve ser do potencial de adversidades sobre o de benefícios. O pesquisador almeja uma publicação de benefícios, evidentemente, mas ela não pode fazer desaparecer as possibilidades de danos ao voluntário de pesquisa. Adversidade tem um sentido amplo, inclui ser necessário um número indesejado de faltas ao emprego, deixar de usufruir de um hábito prazeroso, além do mais grave, efeitos biológicos maleficentes.
Assim, é importante que o Termo seja apresentado sob uma forma verbal e não verbal que hierarquize a imparcialidade sobre a resposta de consentimento, deixando o candidato a voluntário de pesquisa à vontade para fazer a “sua leitura” e dar a própria interpretação.
O processo do esclarecimento-consentimento integra a sensação do convite, a dúvida sobre o desenvolvimento da pesquisa em si e os resultados e a decisão por um pensamento articulado com proporções variadas do racional e do emocional. Há, pois, nítida analogia entre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na Pesquisa Clínica e a bula do medicamento. Ambos ganham a consciência das incertezas, lidam com resistências e aceitam ou rejeitam a proposição inicial. A pesquisa ou o medicamento adquirem uma representação de um bem (geral) que pode ser bom ou ser mau (pessoal).
Parece-nos útil absorver da Teoria dos Sinais as noções de signo, significante e significado e os 3 signos ícone, índice e símbolo para o manejo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
- Signo: Junção de conceito e de uma imagem (como ela impressiona). Faz vir ao pensamento outra coisa. Representa algo para alguém. O Termo é um signo.
- Significante: Escrita, fala. O Termo é significante na medida em que ele é padronizado e aprovado por uma Comissão.
- Significado : Figura mental que provoca. O Termo tem o potencial de provocar individualizações infinitas.
- Índice: É um signo natural. O significante nuvens pesadas trazem o significado de chuva iminente. O significante queda acentuada de cabelo traz o significado de calvície iminente.
- Ícone (Imagem): É um signo produzido pela mente humana. O significante tom pastel da parede traz o significado de paz de espírito. O significante medicamento inovador traz o significado de superação.
- Símbolo: É um signo associado a noção abstrata com associação de ideias e um aspecto motivador. O significante pulso de ferro traz o significado de austeridade. O significante diagrama da letalidade traz o significado da urgência do tratamento.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido contribui para estabelecer uma conexão entre a linguagem do pesquisador e a do voluntário de pesquisa. Aspectos mais concretos e mais abstratos sustentam o esclarecimento e o consentimento. A seleção de palavras e a forma de comunicação expressam o respeito à Ética e o profissionalismo. A Bioética da beira do leito estimula a harmonização de significados entre o pesquisador e o pesquisado.