3834

PUBLICAÇÕES DESDE 2014

169- Um grão compromete a Segurança no ambiente ambulatorial?

monte-dos-grãos-de-café-sobre-o-branco-10105063Equipamento é o conjunto  de materiais necessários para o desempenho de determinada função.  Num ambiente médico ambulatorial, tanto uma caneta quanto um endoscópio são necessidades para o cumprimento de objetivos diagnósticos e/ou terapêuticos e assim são equipamentos. Cada profissional costuma ter o próprio entendimento sobre o quantum satis de material.

Uma situação do mundo real é a inauguração do ambiente médico ambulatorial “bem equipado” para certa atividade e uma subsequente redução do número de materiais por não reposição, entendimento de desnecessidade, etc…

Um cardiologista sem um estetoscópio ou um tensiômetro, um infectologista sem um termômetro, um neurologista sem o martelo para reflexo são exemplos de carências tão simples quanto altamente influentes no atendimento.

Se o potencial de impacto no benefício é um perigo da falta de equipamento, o destaque é em relação à segurança. Uma ausência aqui, outra ausência ali podem não ser reconhecidas como imprudência e caso uma adversidade aconteça – estatisticamente ela nunca é zero num período de tempo-, o desfecho da mesma pode ser triste.

Estas considerações fazem lembrar o paradoxo linguístico descrito por Eubulides de Mileto (450 ac-359 ac), um contemporâneo de Hipócrates. A figura é: vamos juntando grão por grão pretendendo formar um monte. Num determinado ponto “ainda não é um monte”, acrescentamos um grão e decidimos que “agora é um monte”. É a linguagem determinando a grandeza da observação, empregando um grau de subjetividade. Neste momento, removemos aquele último grão  adicionado e dificilmente haverá a interpretação que “agora é um monte”  retornou à condição de “ainda não é um monte”.

A lição é clara. Normatizações “sobre o monte”  de equipamentos  num determinado ambiente médico ambulatorial são primordiais para formar um conceito de exigibilidade mínima. E, em decorrência, as vantagens da fiscalização do cumprimento, especialmente numa área tão nobre para a vida como a atenção às necessidades da saúde. É sempre bom lembrar que uma ausência de equipamento desprezada tem o potencial de gerar um clima de banalização sobre faltas sequentes.

Neste contexto, há 2 anos, o Conselho Federal de Medicina emitiu a Resolução CFM 2.056/13. Ela fixou nova sistemática para as vistorias  segundo o Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil que  estabelece a infraestrutura mínima a ser exigida dos consultórios e ambulatórios médicos, de acordo com sua atividade fim e/ou especialidade.

roteO quadro mostra a relação dos equipamentos básicos de acordo com especialidade e complexidade.

http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=24715:fiscalizacao-de-servicos-medicos-parametros-para-funcionamento-de-postos-de-saude-e-consultorios-entram-em-vigor&catid=3

A Bioética da Beira do leito entende que a fundamentação para a divisão em grupos de consultórios e de ambulatórios médicos vem ao encontro de Princípios da Bioética. O destaque é para o poder inspirador e construtor do hipocrático Princípio da Não Maleficência.

Tenho insistido que a denominação Não Maleficência tem valor histórico indiscutível, pois ela petrificou o conceito de que a Medicina nunca teve, não tem e jamais terá algum objetivo de fazer mal. Todavia, a beira do leito atual encontra-se plena de potencialidade de males para o paciente que se agrega ao benefício esperado.

Assim sendo, como atos médicos associam-se a riscos variados de adversidades, creio que o Princípio da Não Maleficência  fica mais bem compreendido como Segurança. Ele indica que o médico deve promover toda e qualquer iniciativa para prever, prevenir e combater adversidades utilizando-se do conhecimento científico e da experiência. Recorde-se que na Pesquisa clínica, com suas 4 fases tradicionais,  a atenção à segurança já se inicia na fase I, enquanto que o benefício começa a ser avaliado na fase II.

A liberdade para a estruturação de consultórios e de ambulatórios deve conjugar-se com as necessidades da mais extensa Segurança. Razão da sujeição a uma fiscalização orientadora sobre pré-condições afinadas com as características do ato médico praticado. Um sentido prioritário de autoridade educacional e não de autoridade repressora.

O Princípio da Autonomia  subentende que o processo de esclarecimentos para o consentimento do paciente inclui a totalidade de aspectos sobre adversidades, incluindo a capacidade profissional e a disponibilidade de recursos para lidar com as mesmas.

A Segurança na beira do leito admite variante da idealização do chamado efeito borboleta, concebido pelo meteorologista estadunidense Edward Norton Lorenz (1917-2008). Uma pequena distração profissional, um pequeno equívoco do médico, uma pequena falta de recurso no local podem desencadear uma tal agitação no ambiente que coloca em risco a vida do paciente. Estatisticamente, não há como garantir a não ocorrência, razão porque é essencial a organização do local de trabalho pelo saber que dá as recomendações técnicas e pela sabedoria que obriga a acreditar na existência do acaso.

Fatores econômicos explicam enquadramentos em autos de vistoria mas não justificam nenhuma argumentação defensiva sobre quebra da Segurança. Há um mínimo imprescindível que tange à Ética. O Art. 1º  do Código de Ética Médica vigente  reza que É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Uma leitura é que decidir começar um ato médico sem estar preparado para adversidades cogitáveis é omissão ligada à imprudência, uma desconsideração com o futuro.

A gama de cautela é enorme. Vai desde a manutenção da cadeira onde o paciente senta até esquematizações de encaminhamento do paciente para local mais adequado, passando pela existência de um desfibrilador por corrente elétrica. Manchetes na mídia são desagradáveis, mas a pior manchete é aquela que encima a auto-notícia da consciência. Um grão pode fazer a diferença!

 

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts