Equipamento é o conjunto de materiais necessários para o desempenho de determinada função. Num ambiente médico ambulatorial, tanto uma caneta quanto um endoscópio são necessidades para o cumprimento de objetivos diagnósticos e/ou terapêuticos e assim são equipamentos. Cada profissional costuma ter o próprio entendimento sobre o quantum satis de material.
Uma situação do mundo real é a inauguração do ambiente médico ambulatorial “bem equipado” para certa atividade e uma subsequente redução do número de materiais por não reposição, entendimento de desnecessidade, etc…
Um cardiologista sem um estetoscópio ou um tensiômetro, um infectologista sem um termômetro, um neurologista sem o martelo para reflexo são exemplos de carências tão simples quanto altamente influentes no atendimento.
Se o potencial de impacto no benefício é um perigo da falta de equipamento, o destaque é em relação à segurança. Uma ausência aqui, outra ausência ali podem não ser reconhecidas como imprudência e caso uma adversidade aconteça – estatisticamente ela nunca é zero num período de tempo-, o desfecho da mesma pode ser triste.
Estas considerações fazem lembrar o paradoxo linguístico descrito por Eubulides de Mileto (450 ac-359 ac), um contemporâneo de Hipócrates. A figura é: vamos juntando grão por grão pretendendo formar um monte. Num determinado ponto “ainda não é um monte”, acrescentamos um grão e decidimos que “agora é um monte”. É a linguagem determinando a grandeza da observação, empregando um grau de subjetividade. Neste momento, removemos aquele último grão adicionado e dificilmente haverá a interpretação que “agora é um monte” retornou à condição de “ainda não é um monte”.
A lição é clara. Normatizações “sobre o monte” de equipamentos num determinado ambiente médico ambulatorial são primordiais para formar um conceito de exigibilidade mínima. E, em decorrência, as vantagens da fiscalização do cumprimento, especialmente numa área tão nobre para a vida como a atenção às necessidades da saúde. É sempre bom lembrar que uma ausência de equipamento desprezada tem o potencial de gerar um clima de banalização sobre faltas sequentes.
Neste contexto, há 2 anos, o Conselho Federal de Medicina emitiu a Resolução CFM 2.056/13. Ela fixou nova sistemática para as vistorias segundo o Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil que estabelece a infraestrutura mínima a ser exigida dos consultórios e ambulatórios médicos, de acordo com sua atividade fim e/ou especialidade.
O quadro mostra a relação dos equipamentos básicos de acordo com especialidade e complexidade.
A Bioética da Beira do leito entende que a fundamentação para a divisão em grupos de consultórios e de ambulatórios médicos vem ao encontro de Princípios da Bioética. O destaque é para o poder inspirador e construtor do hipocrático Princípio da Não Maleficência.
Tenho insistido que a denominação Não Maleficência tem valor histórico indiscutível, pois ela petrificou o conceito de que a Medicina nunca teve, não tem e jamais terá algum objetivo de fazer mal. Todavia, a beira do leito atual encontra-se plena de potencialidade de males para o paciente que se agrega ao benefício esperado.
Assim sendo, como atos médicos associam-se a riscos variados de adversidades, creio que o Princípio da Não Maleficência fica mais bem compreendido como Segurança. Ele indica que o médico deve promover toda e qualquer iniciativa para prever, prevenir e combater adversidades utilizando-se do conhecimento científico e da experiência. Recorde-se que na Pesquisa clínica, com suas 4 fases tradicionais, a atenção à segurança já se inicia na fase I, enquanto que o benefício começa a ser avaliado na fase II.
A liberdade para a estruturação de consultórios e de ambulatórios deve conjugar-se com as necessidades da mais extensa Segurança. Razão da sujeição a uma fiscalização orientadora sobre pré-condições afinadas com as características do ato médico praticado. Um sentido prioritário de autoridade educacional e não de autoridade repressora.
O Princípio da Autonomia subentende que o processo de esclarecimentos para o consentimento do paciente inclui a totalidade de aspectos sobre adversidades, incluindo a capacidade profissional e a disponibilidade de recursos para lidar com as mesmas.
A Segurança na beira do leito admite variante da idealização do chamado efeito borboleta, concebido pelo meteorologista estadunidense Edward Norton Lorenz (1917-2008). Uma pequena distração profissional, um pequeno equívoco do médico, uma pequena falta de recurso no local podem desencadear uma tal agitação no ambiente que coloca em risco a vida do paciente. Estatisticamente, não há como garantir a não ocorrência, razão porque é essencial a organização do local de trabalho pelo saber que dá as recomendações técnicas e pela sabedoria que obriga a acreditar na existência do acaso.
Fatores econômicos explicam enquadramentos em autos de vistoria mas não justificam nenhuma argumentação defensiva sobre quebra da Segurança. Há um mínimo imprescindível que tange à Ética. O Art. 1º do Código de Ética Médica vigente reza que É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Uma leitura é que decidir começar um ato médico sem estar preparado para adversidades cogitáveis é omissão ligada à imprudência, uma desconsideração com o futuro.
A gama de cautela é enorme. Vai desde a manutenção da cadeira onde o paciente senta até esquematizações de encaminhamento do paciente para local mais adequado, passando pela existência de um desfibrilador por corrente elétrica. Manchetes na mídia são desagradáveis, mas a pior manchete é aquela que encima a auto-notícia da consciência. Um grão pode fazer a diferença!