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1667- Vida, existência e não consentimento (Parte 3)

Na imensa maioria dos casos, a recomendação médica é sem grande demora consentida pelo paciente capaz, assim combinando liberdade de voz ativa e usufruto das validades tecnocientíficas pertinentes pelo paciente, vale dizer direito do paciente à autonomia e dever do médico de orientar segundo a beneficência. Dor, sofrimento e confiança no médico e na medicina formam um trio de sustentação habitual do consentimento pelo paciente.

Mas – comumente há um mas em conexões médico-paciente – nem sempre basta a disponibilidade de excelência como melhor expressão da medicina, pois,  contemporaneamente, incidem aspectos axiológicos, ou seja, valores morais que o paciente atribui aos métodos pretendidos como de aplicação beneficente.

De modo simples, como apontado acima, uma adversidade do uso tão somente lida  na bula do medicamento pode ganhar um valor moral que impede a adesão à prescrição médica, ou seja, um juízo muito pessoal construído na ideia do bem/mal, do certo/errado que orienta sentimentos e atitudes.

Assim, no processo de tomada de decisão no ecossistema da beira do leito podem ocorrer negativas, provisórias ou definitivas, de consentimento à recomendação médica pelo paciente, com ou sem possibilidades de cogitação de outras opções com níveis de beneficência para o quadro clínico e/ou prognóstico.

Em termos práticos, portanto, o médico após fazer a recomendação de conduta terapêutica e/ou preventiva sustentada pelo estado da arte não pode deixar de incluir no processo de tomada de decisão que “segue o figurino” o potencial de ouvir um Não consinto, doutor que vem a ser transitório e se transforma subsequentemente num Sim consinto, doutor – após uma segunda opinião, por exemplo -, ou, então, vem a ser irreversível. A evidência do mundo real humano em contraponto à evidência científica.

A Bioética da Beira do leito aplica Michel Foucault (1926-1984) e entende que a conexão médico-paciente, especialmente no decorrer de um processo de tomada de decisão  diagnóstica, terapêutica e/ou preventiva, combina um ser-saber pelo médico, um ser-consigo pelo paciente e um ser-poder que tem proporções de ambos, ultimamente com maior intensidade para o paciente capaz na forma do consentimento ou não consentimento. Este poder do paciente ficaria amplamente subjugado pelo poder do médico em situações clínicas de iminente risco de morte evitável do paciente.

Quando de um Não consinto, doutor, o paciente capaz representa totalidade de ser-poder. Caracteriza-se uma dissociação entre o corpo humano tal como visto pela medicina e a percepção da própria existência pelo paciente. O médico pretende beneficiar o corpo do paciente capaz e este manifesta o entendimento que a conduta recomendada não será benéfica para a sua existência. A recusa do paciente Testemunha de Jeová capaz de receber transfusão de sangue de alto impacto sobre o prognóstico por motivos religiosos é ilustrativa sobre a representatividade da vida.

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