A Bioética da Beira do leito sugere que esta compreensão fica facilitada pela noção de imortalidade. Ninguém é imortal como denotação (sentido literal), mas há muitos imortais por conotação (sentido figurado), Hipócrates, por exemplo.
O significado é que a pessoa adjetivada como imortal continua com sua vida presente na sociedade em função de sua obra embora sem a presença de um corpo. Um doador de órgão, ao ser declarada sua morte cerebral, persiste com um corpo viável que mantém a vida, mas não a existência, a percepção existencial. O receptor, ao ter a vida mantida pelo transplante, terá uma percepção existencial distinta da do doador, apesar de possuir uma parte do seu corpo, ela não traz nenhuma característica cognitiva do doador.
O embrião já uma vida em seus estágios de formação no útero materno, o habitat provisório desta vida, que aguarda a lei natural da reprodução para, pelo parto – adeus útero e cordão umbilical – se individualizar na sociedade e desenvolver percepção existencial. Assim como a lei da gravidade é uma força natural que atrai os corpos, a atração de óvulo e espermatozoide sustenta a força natural que a Bioética da Beira do leito percebe pedagogicamente como “lei da gravidez”, indicando que a vida segue leis da natureza, muitas delas já descobertas pela ciência. Pensar na vida dos animais em seus habitats naturais ajuda neste sentido.
O direito ao não consentimento pelo paciente alinhado a sua percepção existencial a uma orientação médica para o seu corpo foi concebido para a situação de voluntário de pesquisa quando, então, ele doa seu corpo para o bem da humanidade porque possui determinada morbidade, a fim de não colidir com sua percepção de existência. Subsequentemente, foi adotada pela assistência ao paciente no ecossistema da beira do leito. Articula-se, especialmente, ao processo de tomada de decisão sobre conduta diagnóstica, terapêutica e/ou preventiva, no qual a prudência – no sentido de escolher ou não escolher – tem valor inestimável.
Há dois artigos do Código de Ética Médica vigente desde 2018 que se destacam na sustentação do processo de tomada de decisão referente à conexão médico-paciente no ecossistema da beira do leito e que apresentam alto interesse por parte da Bioética da Beira do leito.
Art. 31 – É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.
Art. 32 – É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.