Um trecho da matéria Estrangeiros do Mais Médicos superam desconfiança de pacientes http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2015/09/estrangeiros-do-mais-medicos-superam-desconfianca-de-pacientes.html chamou-me a atenção: “… No caso de Ramalho… Os pacientes se dirigiam a mim e diziam que, pela primeira vez, conheceram a cor dos olhos de um médico. Isso me marcou muito. Criamos aqui a empatia de olhar nos olhos, de tocar. Antes, isso não ocorria…“.
Partindo do pressuposto da veracidade, esta observação é preocupante, embora não seja exatamente inusitada. Não parece ser uma peculiaridade brasileira, pelo menos qualitativamente.
Há alguns meses, o New England Journal of Medicine http://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMp1501440 trouxe a indagação de um professor da Harvard Medical School: “… Como é que permitimos que este aluno frequente uma Escola de Medicina…” . Ele se referia a um estudante desajeitado, com péssima linguagem corporal e usando termos técnicos incompreensíveis para o paciente. E o comentário seguinte do autor é surpreendentemente superponível ao do Dr. Ramalho – que é um médico português com 68 anos de idade trabalhando no interior da Bahia: “… Por onde eu passo, ouço que os médicos demonstram pouca empatia e não se comunicam bem com os pacientes…” .
Um objetivo da Bioética da beira do leito é justamente promover treinamento em atitude que resulte num equilíbrio com o foco predominante no tecnicismo. Oficinas de Bioética pra Residentes de Medicina contribuem para a conscientização do caráter humano da Medicina e destacam a utilidade e a eficácia da boa comunicação médico-paciente. Um processo de lapidação, diríamos, partindo da premissa que, já formado, o profissional da saúde tem condições pessoais para trabalhar melhor o seu jeito profissional de ser.
A beira do leito, contudo, parece insistir que, embora melhoras aconteçam em função do treinamento coletivo, dos exemplos individuais e do aprendizado das crises, a bagagem que o médico traz consigo, o ser em si mesmo, suas características inatas e educacionais têm alta e decisiva relevância no quesito da empatia. Ma is para sou empático do que estou empático.
Eu tive um professor de Clínica Médica, nos tempos em que aprediam 15 sinais de hipertiroisimo, 10 sinais de meningismo e tantos outros de muitas doenças e em que imagem era radiografia, que repetia aula sim, outra também, que o médico tem que se lembrar que está prestando um serviço ao paciente, o objetivo, mais do que considerar que está aplicando Medicina, o instrumento. Mentalizem um estande de tiro, primeiro foquem o alvo, depois é que puxem o gatilho, não fiquem atirando desprezando a mira. Ele dava vários exemplos para reforçar que cada um de nós tinha que se comunicar com o paciente portando-se como coleção de remédios, escolhendo para cada um, o que melhor tinha como princípio ativo e ajustando dose, duração e observação de adversidades. Uma vez por semana, ele promovia uma hora de “comunicação médico-paciente” entre duplas de estudantes, cada um alternando o personagem por 30 minutos. O sucesso do do médico charlatão está em ser bom de papo, era frase preferida e proferida sempre precedida do “que ninguém nos ouça“.
A questão é: Qualquer um que pretende ser médico possui aptidão para o aperfeiçoamento em serviço na direção da diligente identificação com sentimentos do paciente?
Segundo o citado artigo do New England Journal of Medicine, este aspecto da interpessoalidade que denomina de erosion of humanistic qualities deve ser objeto de avaliação já na seleção dos candidatos para uma vaga na Faculdade de Medicina. E mais, se, no decorrer do Curso, verificar-se a sua inadequação para lidar com o ser humano-paciente, que o estudante não se diplome. Um conflito entre a natureza da pessoa e a capacidade para adestramento, que é o título do artigo.
É uma proposição radical, que por várias razões, sociais e legais, não devemos cogitar em adotar entre nós. Mas que, ao mesmo tempo, serve para lembrar sobre a conveniência do aprendizado sobre Ética e sobre comunicação na formação de nível secundário. Trazendo uma base, aumenta a eficiência sobre o ensino que especifica Ética e comunicação no âmbito da profissão.
Não se pode desconsiderar que nem todo médico trabalha na beira do leito, pratica uma relação médico-paciente direta. Há muitas responsabilidades bem cumpridas nos bastidores das várias modalidades de laboratório que se multiplicam, de onde o paciente relaciona-se com o médico por um laudo com sua frieza intrínseca, inclusive, associando qualquer iniciativa de “aquecimento empático” a atitude eticamente inadequada.
Assim, o objetivo é promover a empatia do estudante de Medicina e do jovem médico em serviço. A fim de minimizar incompetências da interpessoalidade, é essncial conscientizar-se que o ambiente precisa ser pró-empatia. Isto significa: a) períodos de tempo adequados para atendimento; b) orientadores seniores selecionados e apoiados em suas necessidades, atentos às atitudes dos jovens e periodicamente estimulados ao aperfeiçoamento das técnicas; c) clareza nas evidências que só o tecnicismo não basta; d) valorização mantenedora do idealismo do jovem; e) reforço que a beira do leito é capacitada “sala” para as aulas a serem dadas pelo mestre, ser humano e vulnerável paciente; f) identificar deficiências individuais de atitudes mais acentuadas que a média e orientar sobre métodos para revertê-las.
A Bioética da beira do leito entende que o paciente deseja “ficar bom” e sentir-se alvo de atenção. Conhecimento, habilidade e atitude é, pois, tríade do ser médico ético que representa forte alicerce das orientações para o jovem médico. Conhecer a cor dos olhos do médico é indicador de empatia, um indicador que deve ter havido um tempo de atenção mútua. É metáfora válida. Evidentemente, a atenção representa um meio e não o fim dos cuidados necessários, afinal o paciente não procurou a consulta “apenas pelos belos olhos do médico”. É metáfora válida. A boa atitude é útil para todos, não necessariamente a aplicação técnico-científica é de utilidade individual. Das emoções que resultam registradas após os atendimentos médicos, as ligadas a atitudes do médico são daquelas marcantes.
Alguém já disse -não me lembro quem- que uma atitude compassiva promove mais milagres do que um medicamento. A Bioética da beira do leito curte, queixa principal esconde muitas outras necessitadas muitas vezes de mais atenção, mas… recomenda que ambos não faltem.