Razão bastante para que a Bioética da Beira do leito enfatize a vigilância sobre atitudes, advertindo que não basta haver o direito do paciente à manifestação do não consentimento, é preciso que haja espaço para o exercício de uma “diretriz de si mesmo” por parte do paciente. Ela precisa articular-se com os conhecimentos tecnocientíficos que são emitidos pelo médico ao paciente numa forma esclarecida, assim nutrindo a competência decisória do paciente. Atualmente, não pode ser desprezada a influência de “instruções” ao leigo via internet , como pelo Dr. Google e Dr. You Tube – e cuja qualidade e aplicabilidade específica são motivo de inquietação.
Clarice Lispector (1920-1977) é do tempo em que leitura qualificada era, essencialmente, por meio de livros. Lemos dela que o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar. Faz lembrar Arthur Schopenhauer (1788-1860) que disse que toda verdade passa por três estágios, primeiramente é ridicularizada, a seguir é violentamente contestada e finalmente é aceita como autoevidente. A obviedade que pacientes são pessoas muito além da doença precisa estar bem consciente no médico e bem expressa nas conexões médico⇔pacientes, que em seus exteriores haja compreensão dos seus interiores, a fim de evitar cientificismos e tecnicismos.
O interior do paciente refere-se à autenticidade dos desejos, preferências, objetivos e valores, a impactos da doença sobre sua qualidade de vida, a momentos emocionais e psicológicos e, até a vícios. O exterior do paciente que dá representatividade ao interior pode ser influenciado por lavagens cerebrais, coerções, estigmatizações, diálogos desrespeitosos e expectativas inapropriadas. Dissintonias entre o interior e o exterior são causas de vaivéns entre Sim doutor e Não doutor.
O paciente não é um ser neutro e a tecnociência é imparcial. Cada paciente pensa a sua maneira como pessoa, cada método tecnocientífico encerra uma maneira como instrumento da medicina. Entende-se que etica e moralmente, a maneira da tecnociência precisa estar ajustada à maneira da pessoa. Durante muitas décadas, não precisava, a obediência do paciente ao médico tinha que ser absoluta. A Pediatria e a Puericultura condicionavam desde a infância.
Hoje, o médico deve obediência responsável, atenção ampliada, ao paciente. Muito especialmente quanto à manifestação de consentir ou não consentir com a orientação de utilidade e eficácia nas condutas. O dever da recomendação pelo médico e o direito à aceitação ou não pelo paciente juntos nos processos de tomada de decisão no ecossistema da beira do leito, assim compõem a conexão médico⇔paciente com evidente hierarquia prática do direito à voz ativa pelo paciente. Vide o caso ilustrativo acima envolvendo o paciente FCT e o Dr. YW.