Bioamigo, seres humanos são biografias em construção. É correto dizer que cada um é o próprio autor. A liberdade dos movimentos da vida ajustada ao discernimento e ao esforço é tolhida por várias circunstâncias e uma delas refere-se a questões de saúde que comumente contribuem com preenchimentos biográficos marcantes, haja vista que a medicina exerce influências pessoais, sociais (como a medicalização da vida) e culturais. Ao contrário do escrever sobre um tema que é um exercício de alteridade porque o autor tenta se colocar na pele do outro, a continuada elaboração in vivo da autobiografia é um exercício de sobrevivência.
Há infinitas menções cabíveis sobre a medicina, uma delas é afirmar que tanto pela terapêutica quanto pela prevenção faz parte de todas as biografias. Se houver exceções, são para confirmar a regra. Um dos aspectos que diferenciam as inclusões é o quanto e como alguém tem o seu contínuo biográfico envolvido pela medicina. Capítulos separados organizam-se tendo Prontuário do paciente como títulos.
O desenvolvimento da medicina catalogou sintomas, identificou sinais, constituiu síndromes, nomeou doenças, descobriu e inventou métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos, organizou códigos de ética. A função e a sobrevivência da medicina reforçaram-se interligadas à existência da conexão médico-paciente, um vínculo entre dois humanos sobre os quais é difícil ter certeza de quem veio primeiro, qual o ovo ou a galinha, e cuja qualidade de convivência está intimamente alinhada ao falar (o que deve ser ouvido), ao ouvir (simplesmente ouça), ao ouvir-se falar (para ser direto, relevante, respeitoso e não exagerado no tempo) e ao ouvir-se ouvir (não se distrair, prestar atenção no outro).
Ademais, a modernidade constatou que quanto mais tempo qualitativo é dedicado à comunicação, mais eficiente se faz a conexão, mais cada um conhece o outro, mais há cooperação, mais a memória abastece a continuidade, mais se obtém a veracidade humana sobre dados e fatos importantes.
Porque a conexão médico-paciente subentende metas interligadas, é de se prever que a má comunicação desde qualquer lado – ou de ambos – produza mau planejamento sobre formas como a tecnociência aplicada cabem nas individualidades, o que representa reforço contemporâneo da velha lição que existem doentes, não doenças, atualmente mais inteligível como focar na pessoa do doente conta tanto quanto debruçar-se na doença. Por isso, é oportuno grafar a conexão médico-paciente como conexão médico⇔paciente.