Persiste atual a observação publicada há cerca de 50 anos (RH Moser – Physician responsibility and patient freedom, West J Med. 1976 Jul; 125(1): 10–12): Onde termina a responsabilidade do médico e começa a liberdade do paciente? Como é que se lida com a linha entre obrigação profissional para com o paciente e respeito pela integridade de uma sociedade livre e devidamente informada?
Caso ilustrativo é do FCT, um recém-formado em administração pública de 28 anos de idade, solteiro, que foi atendido pelo Dr. YW, médico formado há 15 anos e com residência médica completa. O caso admitia uma conduta intervencionista resolutiva, mas, também, uma chance razoável de boa resposta a um tratamento farmacológico constante numa recém-atualizada diretriz clínica. FCT após ser devidamente esclarecido das opções preferiu tomar os dois medicamentos indicados. De certa forma aliviado por poder contar com uma conduta mais simples de resolver seu problema, FCT passou na farmácia do bairro e comprou os genéricos. Já em casa, ele se sentou na poltrona relaxante, abriu as caixas e leu as duas bulas com atenção. O resultado foi imediato, FCT desistiu de cumprir a prescrição. Avaliou o que faria e decidiu não comunicar ao doutor, estava convicto que não daria chance a ouvir a substituição da conduta pela indesejada alternativa intervencionista. Os incômodos se agravaram obedientes à fisiopatologia e perturbadores da qualidade de vida. Bem sintomático, FCT trocou mensagens com o Dr. YW e retornou em consulta. Não havia outra opção para a resolução e FCT aceitou a orientação de intervenção. A aceitação a contragosto seguiu sua volatilidade e já internado, após uma espera de cerca de três semanas para a obtenção da liberação pelo plano de saúde, tempo bastante para oscilações do desejo, quando recebeu o anestesista para a visita pré-operatória, FCT já estava decidido, sustentado por sua bula interna, a não mais se submeter à operação, inclusive noticiou por WhatsApp. O Dr. YW já havia passado por situações semelhantes e empenhou-se em entender as razões da mudança de opinião do paciente, mas FCT não colaborou, desviava as respostas para a promessa que, agora sim, cumpriria a prescrição medicamentosa apesar do que lera nas bulas sobre adversidades, mas, agora, aliviado pelo que o Dr. YW lhe dissera sobre as baixíssimas chances de elas de fato acontecerem, muito embora avisado sobre as dúvidas quanto ao sucesso terapêutico. FCT teve alta hospitalar em meio a evidente reação negativa do Dr. YW, não somente pela revogação do consentimento de última hora, como também pelas perspectivas de efeitos do niilismo terapêutico sobre o agravamento do prognóstico já em andamento. Uma semana depois, FCT estava de volta ao consultório do Dr. YW. Entrou logo dizendo: Doutor YW me opere, não aguento mais o que estou sentindo! O Dr. YW quis saber se havia tomado os medicamentos e ouviu uma resposta verbal afirmativa associada a uma linguagem corporal, especialmente a facial, indicativa do oposto. Pouco importava agora. O dever profissional do Dr. YW pôs de lado algumas sequelas humanas do encontro no hospital e remarcou a cirurgia. Às 10 horas do dia da internação, o Dr. YW desiste de aguardar a chegada do paciente combinada para as 7 h. O celular de FCT dava caixa-postal. Passaram-se alguns dias, o Dr. YW chega ao consultório e na sala de espera FCT já o aguarda sem agendamento e com uma forte expressão de sofrimento… Alô Bioética! Uma dose urgente na veia!