Bioamigo, sejamos sinceros: o médico nunca se sente confortável ao ser contraposto pelo paciente. Ele aprende na faculdade o que deve fazer, o que precisa fazer e o que deve querer fazer e, por isso, incomoda-se quando é tolhido. Soa-lhe perjúrio ao Juramento de Hipócrates. Provoca desconforto. Tem seu lado bom e seu lado mau. Se por um lado, a perturbação expressa não aceitação de indiferença profissional com o paciente, por outro lado, arrisca-se a movimentos coercitivos.
Neste século XXI, uma moralidade do comportamento em sua relação com regras e valores e que faz o passado não muito distante ficar para trás nos diz que não é mais estranho ter de levar a sério – muito a sério – a voz ativa do paciente manifesta no processo de tomada de decisão no ecossistema da beira do leito. Dois advérbios de apenas três letras com suas funções inatas de conferir adquiram alta relevância na conexão médico-paciente e fazem da liberação da palavra oral do paciente uma extraordinária diferença em relação às palavras escritas que orientam o conhecimento médico: Sim e Não.
A descolonização do Não doutor a qualquer conotação de ousadia do paciente, embora com resíduos, ocorre associada à benção universal à validade do não consentimento pelo paciente à recomendação médica, conceito que migrou da pesquisa clínica para a assistência. Por isso, desde o início do atendimento, o médico tem que reconhecer o risco de lidar com a negação do paciente a sua prescrição. Uma nova estrutura da conexão médico-paciente que amplia as maneiras como as evidências tecnocientíficas de beneficência são admitidas na prática. A linguagem das pesquisas clínicas nem sempre é fielmente traduzida pelo paciente.
Em decorrência das realidades circunstanciais de um Não doutor expresso pelo paciente, uma cascata de desafios, dilemas e confrontos no âmbito das atitudes, diga-se de passagem, com acentuado desnível de preparação do médico para lidar em relação ao que acontece com a tecnociência, pode advir em nome do imperioso respeito ao direito do paciente ao princípio da autonomia. São contratempos é verdade, mas que contém uma riqueza humana para educação profissional continuada. O valor atualizado das dificuldades assim geradas pelo paciente insubmisso não pode ficar relegado a um segundo plano pois carregam a potencialidade de resultarem em extremos ou de niilismo ou de exaltação do cientificismo e do tecnicismo.