Elaborado em coautoria com o Prof. Dr Wilson Jacob Filho
Entretanto, microagressões acontecem, como falar com familiar mais jovem e não com o paciente ou falar com ele de uma maneira infantilizada. Referir-se ao paciente idoso como vôzinho pode admitir uma expressão tanto de afetivo carinhoso quanto de pejorativo. Para o médico, será que deve haver calibragem do respeito em função da idade? A Bioética da Beira do leito responde que Não! Respeito no ecossistema da beira do leito não se adjetiva.
Em relação aos princípios da beneficência e da não maleficência, a medicina coleciona um histórico de “condutas proibitivas” alinhadas a suposições de excesso de maleficência para expectativas de beneficência, haja vista que a idade é componente habitual de escores de risco. O cenário de “nem pensar” por apriorístico entendimento de beneficência pouco provável/maleficência muito provável está em acelerada transformação com o apoio da pesquisa clínica em geriatria e maior densidade das vivências com idosos em função, especialmente, de mais longevidade proporcionada por métodos úteis e eficazes, preventivos e terapêuticos para doenças crônicas. Reduziu-se a concepção de deixar o velho em paz submetido ao destino inelutável, octogenários e nonagenários têm sido submetidos a procedimentos invasivos impensáveis há poucos anos com níveis de segurança e associados a percentuais estimulantes de sucesso quanto à reversão do mau prognóstico e influências positivas na qualidade de vida e sobrevida.
A pediatria investiga e reduz a mortalidade infantil. A geriatria não tem como cuidar da redução da mortalidade do idoso no sentido amplo da palavra pois o ser humano é mortal, contudo contribui para adiar a morte com preservação de pelo menos razoável qualidade de vida ajustada aos inevitáveis efeitos disfuncionais dos órgãos com o avançar da idade cronológica. Em outras palavras, há espaço para a construção da terceira idade com menos sentido de “há que se conformar” com a natureza mórbida, com mais significados positivos e progressiva redução da sua representação de minoria na sociedade.
Vive-se, pois, a maior revolução epidemiológica da composição etária da população humana. Disso decorrem adaptações em todos os campos das ciências biológicas, sociais e exatas para fazer frente às novas demandas da crescente população de pessoas com características tão particulares, decorrentes da sua senescência agravada pela senilidade. Por isso, faz-se necessário que, além dos avanços científicos, ocorram, também, evoluções de comportamento de quem envelhece.
Nesse sentido, a manutenção do protagonismo do idoso alinhado a sua autonomia e independência, mesmo quando da necessidade de apoio de outrem, é essencial para que ele continue a se sentir como um membro integrante da sociedade em que vive, capaz de contribuir para o seu desenvolvimento em importância equivalente à que realizou durante toda a sua existência. Em outras palavras, o idoso precisa preservar sua essência, sua identidade interior apesar de encolhimentos performáticos e não infrequente queda de reconhecimento familiar e social. Pegando carona com Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) em seu conto O Espelho, o idoso deve se olhar no espelho capaz de se reconhecer na nova imagem como vestindo um “uniforme” tão digno quanto outrora.
A Bioética da Beira do leito entende que a crescente conciliação observada no idoso entre convivência com doenças crônicas e realidades alvissareiras da qualidade de vida direciona o conceito de Saúde no sentido da capacidade de adaptação e autogestão aos desafios de ordem física – proteger-se contra danos -, emocional – enfrentar situações difíceis – e social – cumprir obrigações, portar-se com independência.
A Bioética da Beira do leito enfatiza que é contribuição do papel social da medicina contemporânea fazer as famílias brasileiras terem cada vez mais prolongados os convívios de avós e netos!