Isto posto, convido o bioamigo a refletir sobre 10 aspectos do profissionalismo médico respeitoso do sigilo na relação médico-paciente a reboque do uso do WhatsApp:
1. Há clássicos da pintura que destacam atitudes humanas do médico ao lado do paciente – por exemplo, “O Doutor”, datado de 1891, obra de Sir Samuel Luke Fildes (1843-1927). Afetividade e condição ambiental para sigilo, muito embora, infelizmente, o médico pouco estivesse fazendo para mudar a história natural da doença. O aplicativo permite a portabilidade desta sensação de proximidade do médico acrescida, pela atualidade da Medicina, da chance de contribuição para um real benefício e com o paciente consciente que está fazendo uma revelação particular. Como dito acima, o essencial é o paciente contar com o médico na palma da mão, onde quer que ambos estejam, via seu smartphone, que, enfatize-se, é um pertence pessoal.
2. O médico não está eticamente obrigado a fornecer uma resposta para todos os conteúdos das mensagens de WhatsApp enviadas por seu paciente, quer por questão de tempo, quer por objeção de consciência. Ele deve, entretanto, manifestar que recebeu a mensagem e justificar o posicionamento, inclusive alertando sobre a visão médica da necessidade de avaliação presencial ou mesmo de um pronto atendimento. Simplesmente ignorar a mensagem irá etiquetá-lo como desatencioso e destoante da maioria de médicos que já bem compreende o valor e o timing da resposta. As novas gerações de médicos estão perfeitamente familiarizadas com a representatividade emocional do aplicativo – e ensinam aos colegas com números mais baixos de CRM que vale a pena usar, ou seja, sabem o valor para a profissão do imediatismo de emissão e recepção de mensagens via aplicativo, algo como uma regra de comportamento. Se o uso do telefone fixo firmou-se como uma vantajosa complementaridade profissional, o não uso do aplicativo rapidamente materializa-se em desvantagem profissional.
3. A fidelidade do paciente ao médico – o quanto ainda existe – passa hoje pela presteza da efetiva interlocução desejada pelo paciente. Como se sabe, a fidelidade como virtude da memória é um valor da relação médico-paciente, um reforço da confiança no profissional, inclusive no seu respeito ao sigilo das revelações feitas no atendimento. Há alguns anos, por exemplo, a mãe aflita esperava o pediatra retornar a ligação que ela podia fazer somente após as 14 horas quando a secretária do consultório chegava – e, eventualmente, retirava os recados de uma secretária eletrônica. O período de tempo não comprometia a fidelidade ao profissional. Hoje, não é preciso que se passe muito tempo do envio da mensagem – diretamente ao médico por aplicativo – sem resposta para que a mãe já faça um julgamento moralizante de desatenção do médico e consequente comprometimento da fidelidade. Uma nova exigência qual o lema do escotismo: Sempre Alerta!
4. O médico que não deseja ficar escancarado ao aplicativo 24/7 deve estabelecer premissas de uso e informar ao paciente suas regras de disponibilidade, inclusive a possibilidade da atenção por outros membros da equipe. Realmente, a disponibilidade do aplicativo em regime de plantão à distância permanente favorece a repetição das mensagens, bem mais do que no uso do telefone fixo, o que, se por um lado contribui para evitar equívocos e desperdícios, por outro pode comprometer o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal. Ademais, dispor-se a usar o aplicativo permite mais precisão sobre quem é de fato o interlocutor, em relação ao telefone fixo, fato que acresce segurança quanto à preservação do sigilo profissional. Além disto, fica mais fácil justificar uma recusa à informação em nome do sigilo profissional.
5. Cada médico deve estabelecer seus limites para escrever no aplicativo em conformidade com a prudência, não somente em relação ao paciente, como para si próprio. A Bioética pode contribuir neste sentido de cautela
para que não haja escassez de orientação possível pelo médico na circunstância em nome da preocupação excessiva com uma análise retrospectiva da mensagem em caso de evolução clínica desfavorável.
6. O que resulta escrito no aplicativo deve ser entendido como um prolongamento do prontuário do paciente e, assim, o conteúdo fica sujeito a análises éticas pelo disposto no capítulo IX do Código de Ética Médica vigente – sigilo profissional. É uma vantagem, pois, quando se fala – no telefone, por exemplo – é mais fácil escaparem palavras mal colocadas no contexto do paciente, ou, então, ocorrer mal entendimento pelo mesmo; quando se escreve, há a chance de os olhos funcionarem como um filtro ético e advertirem sobre inconveniências – um aspecto positivo de lápis e borracha eletrônicos –, além da revisão a posteriori pelo paciente. Em função da reflexão sobre ser parte do prontuário do paciente, é aconselhável o médico utilizar um sistema de armazenamento na nuvem da troca de mensagens, como forma de preservar e poder confrontar eventualmente com afirmações do
paciente, não somente por chances de adulterações ou de supressão de conteúdos, mas, infelizmente entre nós, pela possibilidade de furto do smartphone.