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1593 – Útero e Bioética (Parte 8)

De modo contemporâneo a Peter, uma interface entre função uterina, estado da arte e moralidade foi enfatizada por outro médico francês, o famoso epônimo de síndrome Jean Alfred Fournier (1832-1914). Líder da Société Française de Prophylaxie Sanitarie et Morale, ele enfatizava o “perigo venéreo” sobre o futuro de uma França habitada por uma “descendência cada vez mais débil” – entendia-se, então, que a modalidade congênita de sífilis era hereditária – e decidiu lançar um manual para jovens, recomendando o casamento aos 21 anos de idade, a fim de evitar contatos “contaminantes de doenças venéreas” com prostitutas.

Algumas décadas antes, o injustiçado médico húngaro Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865) – vez que suas ideias o levaram a ser internado num manicômio – habilitou-se a ser chamado de Salvador das mães de contrair febre puerperal por suas recomendações de natureza antisséptica no parto, fruto de aguçada observação sobre a falta de higiene das mãos por parte dos médicos obstetras. Embora os manejos médicos tenham como objetivo promover o bem-estar do paciente, muitas vezes não estão isentos de causar efeitos adversos ou danos.

Essa realidade levanta o dilema do “mal necessário”, onde certos procedimentos ou tratamentos, como cirurgias invasivas ou quimioterapia, são realizados apesar dos riscos e efeitos colaterais, visando um benefício maior, como a cura ou a melhoria significativa da qualidade de vida. As interpretações sobre a aceitação desse ‘mal necessário’ divergem, refletindo diferentes abordagens éticas e culturais. O princípio do duplo efeito é frequentemente utilizado para justificar essas decisões, desde que o pretendido objetivo final seja benéfico e o efeito negativo não seja intencional.

Assim, a mesma mão médica que coopera para promover o sucesso da gestação, o coroamento pelo parto de feto vivo e saudável, pelo emprego de avanços tecnocientíficos é aquela que é solicitada a praticar um aborto dentro dos limites permitidos pela lei brasileira. A especificação de ‘abortamento legal’ é crucial para destacar as exceções à proibição geral do aborto no país. Essas exceções incluem situações de grave risco à vida da mãe, que dão continuidade ao raciocínio de Michel Peter sobre os perigos da gestação em condições médicas severas, casos de fetos diagnosticados com anencefalia, onde a vida é considerada inviável, e gestações resultantes de estupro, onde o direito à autonomia e à dignidade da mulher é prioritário.

O contexto que reúne os termos abortamento espontâneo, prática de abortamento legal e prática de abortamento ilegal admite o envolvimento da Bioética, pois cada um desses cenários apresenta dilemas éticos distintos. Mesmo quando o aborto é legalmente permitido, a decisão de realizá-lo é frequentemente sujeita a filtros de ética e moral, que variam amplamente com base em crenças individuais, normas culturais e políticas institucionais. Em outras palavras, embora a interrupção da gravidez possa ser autorizada por lei, a decisão final é profundamente individualizada e depende das opiniões e valores das gestantes, dos médicos, dos profissionais de saúde e das instituições envolvidas.

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