No processo que vai desde a formatura até a aposentadoria vale muito a consciência pelo médico que ele não possui a medicina, ele se dedica a ela e, como retribuição adquire o regozijo de desfrutar de boa reputação profissional, o melhor conforto para o aposentado.
Recordo-me do dia-a-dia do aprendizado da propedêutica e acresço interpretações aos mesmos fatos à luz da visão adquirida de Bioética. O nosso excelente mestre Mario Giorgio Marrano (1920-2013) que dominava as mais variadas manobras de exame físico para cada órgão, no primeiro dia, nos deu uma relação de três livros de propedêutica e a partir daí jamais nos cobrou a leitura.
Não foi por acaso que me tornei aluno na turma do mestre Marrano. No segundo ano da faculdade havia uma divisão em estudantes que iriam fazer clínica médica e que iriam fazer cirurgia, ao mesmo tempo em que havia um ranking informal de clínicas boas e ruins a serem frequentadas no terceiro ano.
As escolhas eram livres e numa ordem determinada pelas notas ao final do segundo ano. Eu iria fazer clínica médica, fui o primeiro colocado, então, pude concretizar o desejo de frequentar o melhor serviço de clínica médica, escolher fazer parte da turma do mestre Marrano e inscrever-me no pior serviço de clínica cirúrgica.
Entendo hoje que foi a atmosfera de Bioética que exalava na Clínica do talentoso Catedrático Professor Clementino Fraga Filho (1917-2016) e seus assistentes que nos fazia entre as aulas – e por elas motivados- devorar os textos dos livros recomendados e, assim, adquirir segurança na incorporação. Quem escreveu o livro captou do paciente de modo semelhante, então era conferir e ajustar.
Éramos sete estudantes do Dr. Marrano, todas as manhãs seguindo o mestre pela enfermarias da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro durante um ano letivo, numa peregrinação de engrandecimento e que obedecia à sabedoria de William Bart Osler (1849-1919): Aquele que estuda medicina sem livros está navegando em um mar desconhecido, mas aquele que estuda medicina sem pacientes sequer está chegando ao mar.
De fato, as gigantes enfermarias formavam um mar de leitos de pacientes doadores de sintomas e de sinais prontos para serem por nós conhecidos. Havia também um conjunto de pacientes externos selecionados por tipicidades propedêuticas que o Dr. Marrano convocava. Incluía o inesquecível portador de tíbia em sabre, que dava uma “aula” sobre sífilis.
Ele exaltava o francês Jean Alfred Fournier (1832-1914) e a Société Française de Prophylaxie Sanitarie et Morale que preocupada com o “perigo venéreo” e com o futuro de uma França habitada por uma “descendência cada vez mais débil” – entendia-se, à época, que a modalidade congênita de sífilis era hereditária – lançou um manual para jovens, recomendando o casamento aos 21 anos de idade, a fim de evitar contato com prostitutas. Teoria e prática.