O médico deve atuar em benefício da saúde. Ele dispõe de métodos que fundamentam informações para diagnósticos e prognósticos e evoluções terapêuticas. O paciente é esclarecido quanto às expectativas de benefícios sobre a história natural da doença. É uma parte da comunicação técnica ao leigo. Há outra parte que se refere às possibilidades concomitantes de malefícios. A avaliação do risco-benefício da recomendação médica pelo paciente alinha-se ao principialismo na Bioética por meio do direito a ter voz ativa, expressar seus desejos, preferências, objetivos e valores, manifestação da autonomia que culmina com o consentimento ou o não consentimento. Sim é Sim, Não é Não!
Vejamos um método terapêutico clássico representado por um comprimido de medicamento perfeitamente indicado para a circunstância clínica. Ele é composto por um sal útil e eficaz validado, que por um lado articula-se à responsabilidade médica pela prescrição e, por outro lado, é um paradoxo na medida em que é um elemento contraditório que inter-relaciona potenciais simultâneos de fazer o bem e fazer o mal em variáveis proporções.
Toda tomada de decisão sobre prescrição de um comprimido de medicamento admite uma tensão paradoxal que provoca necessidades de sólido conhecimento sobre o potencial de benefício, comunicação sobre potencial de efeitos adversos e eventuais providências redutoras dos riscos cogitáveis. Evidentemente, seria antiético a exposição do paciente à adversidade de modo isolado, independente do potencial de benefício, a ética reconhece a dualidade, a inevitabilidade dos contras desde que os prós sejam preponderantes e até imperiosos.
A prática na beira do leito admite duas tríades integradas pela Bioética da Beira do leito a respeito do que o médico deve/pode recomendar ao paciente: a) indicação, contraindicação e não indicação; b) conduta recomendável, conduta aplicável e conduta consentida.
Numa linha do tempo do processo de tomada de decisão de natureza eletiva sustentada pela prudência, a precedência é a seleção de indicações e não indicações para compor a conduta recomendável, aquela fundamentada no estado da arte, universal e consolidada pela experiência profissional de fato vivenciada. É teoria tecnocientífica que resulta da interpretação de dados e fatos captados desde o paciente, vale dizer acontece no sentido paciente-medicina e materializa-se como conduta recomendável.
Os passos seguintes do processo de tomada de decisão são no sentido da medicina para o paciente. O primeiro deles é a consideração da possibilidade de contraindicação, ou seja, a indicação universal depara-se com sérios riscos de resultar em graves malefícios que desabonam qualquer expectativa de beneficência pelo método. É apreciação da individualidade biológica do paciente, de antecedentes a serem respeitados e/ou de comorbidades presentes que possam influenciar negativamente a atuação do fármaco. Inexistindo fatores de forte oposição à indicação, a conduta recomendável (universal) transforma-se na conduta aplicável (individual).
O segundo deles diz respeito à voz ativa do paciente, sua opinião sobre a aplicação indicada/não contraindicada que leva em conta seus desejos, preferências, objetivos e valores. O paciente livre e esclarecido sobre prós e contras manifesta o Sim doutor ou o Não doutor ou o Talvez doutor. No caso do Não ou Talvez, cabe ao médico interessar-se em compreender os motivos da oposição/dúvida e, na medida do possível, re-esclarecer o cenário clínico e prognóstico, considerar ajustes e reverter para Sim, jamais por meio de atitudes coercitivas. Na situação de consentimento pelo paciente, a consulta aplicável transforma-se em conduta consentida, fase final do processo de tomada de decisão e início da etapa de aplicação.