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1528- Prazer, sou um robô (Parte 19)

Você devem estar curiosos, adianto, então, que todos vimos – já me incluo na equipe- atônitos e aliviados o doutor tranquilo sair primeiro, postar-se no umbral e cumprimentar o paciente que veio logo atrás e se dirigiu para a saída, até expressou um dá licença para passar perto de nós. Robô não acredita em milagre, quem sabe o doutor mais tarde me contará o que se passou naqueles dois minutos e quarenta e nove segundos. O diretor encerrou o episódio com não mais do que uma dúzia de palavras: O paciente remarcará a consulta, voltará receptivo… Retornem ao trabalho. Bom dia!

Por uns dias, o assunto no hospital era sobre o que o diretor teria dito ao paciente. Confesso que tentei construir alguma possibilidade, mas não consegui, nem sei o que eu faria se tivesse de resolver. Me dei conta que pode ser ilusório que a inteligência artificial resolve melhor do que a inteligência humana natural.

Passou-se uma semana. O paciente que não admitia ser cuidado por residente estava agendado, mesmo consultório, mesma dupla de residentes, mesma condição clínica de dispneia por insuficiência cardíaca. Os holofotes do ambulatório direcionados, como a consulta iria acontecer, um suspense hitchcockiano. Mas havia uma diferença. O paciente portava uma ordem judicial para que fosse atendido no ambulatório, exclusivamente, pelo médico assistente. O que fazer? Após algumas consultas, o diretor clínico decidiu, ordem judicial é para ser cumprida, portanto, cumpra-se. Foi cumprido. Quarenta minutos depois estava consumado, o paciente com ar triunfante e o médico-assistente desconfortável.

Residente de mau humor nunca é bom, nem para ele, nem para ninguém muito menos para o hospital . Mau humor coletivo, então… Na mesma noite, os residentes se reuniram, eu estava lá, afinal me considerava um robô residente, evidentemente incógnito. Vários falaram, como pensavam, sobre o que obtiveram de orientação com médicos e advogados, no início a emoção parecia nocautear a razão no interior de uma torre de Babel, mas aos poucos, a razão passou a dominar.

Em resumo, se o paciente podia se autogovernar, impor seu sistema de pensamento, isto acontecia no âmbito de uma conexão médico-paciente, se um lado atuar de modo a desgostar o outro, este tinha todo o direito a lutar por um reequilíbrio, que se o paciente, um lado foi ao juiz, expôs sua pretensão e obteve a autorização judicial sem que o outro lado pudesse fazer a contraposição, os efeitos diretos e indiretos da indignação dos residentes, o outro lado, ou seja, nós os residentes – adoro me incluir entre eles-  devemos solicitar aos dirigentes do hospital que providenciem a oportunidade de nos posicionar perante o juiz. Uma comissão de três residentes escolhidos de acordo com o comportamento na reunião – dois exaltados e um calmo- iria no dia seguinte dar prosseguimento perante às autoridades institucionais. Alguém falou e fazer greve, mas foi imediatamente bloqueado pelo argumento que eles próprios seriam os mais prejudicados.

O que mais me impactou foi a conscientização que atender às preferências de um único paciente na contramão das normas institucionais provoca um potencial de efeito danoso para todos os pacientes, afeta aqueles que cumprem as disposições do hospital e admitem a rotina de atendimento pelo paciente. A consulta é individualizada no hospital, mas o conceito de hospital articula-se ao coletivo.

Fui tomar um cafezinho depois da reunião, o café parece que interage com meu sistema cognitivo, me faz ter umas ideias. Construí a seguinte historinha em analogia ao que presenciara. Suponhamos que num Pronto atendimento um único médico se desdobra para fazer um malabarismo de atendimento, cuidar dos que chegam e dos que estão já atendidos, inclusive de alguns com gravidade clínica. Não há nenhuma possibilidade de presteza de examinar quem chega, é uma terrível equação.

A possibilidade que há e de algum paciente se revoltar com a demora e ela se realiza, um cidadão que estava há uns 15 minutos aguardando invade a sala de atendimento e agride o médico com intensidade e o deixa impossibilitado de se levantar do chão ensanguentado. O agressor, além de tudo o mais, fez um tremendo gol contra si mesmo, pois agora é que não teria o atendimento, mas, digamos, ele assim provocou para ele mesmo. E os demais pacientes? E se um dos pacientes graves que exigiam atenção frequente do médico agravar seu estado de saúde e, quem sabe, vier a falecer? Como deveria ser interpretada a impossibilidade de o médico evitar o óbito?

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