Fiquei surpreso, não era o que eu esperava, classifiquei o médico-assistente como um frouxo que cedera fácil aos desejos do paciente, preferiu entender a sua maneira que a reivindicação era a exigência era um direito do paciente e que não importava descumprir o objetivo de aprendizado sob supervisão dos residentes de um hospital-escola. Um caso não fará diferença para eles, deve ter pensado, mas a dignidade não é numérica.
Os dois residentes se entreolharam, um exame do nível de adrenalina em ambos revelaria um pico altíssimo, estabeleceram uma concordância de atitude sem dizerem uma única palavra, só pela linguagem facial e somente o residente do primeiro ano se retirou do consultório. Não mais do que um minuto se passou e seis residentes entraram, todos os que estavam distribuídos no ambulatório. A sala ficou pequena para tantos médicos mudos e de cara fechada. mais bravos com o médico-assistente sem interesse pelos residentes do que propriamente com o paciente rebelde. Por uns momentos, a situação ficou como cena congelada, se houvesse mosca, seu zumbido perturbaria.
A situação era tensa. As palavras que a seguir foram ditas pelo médico-assistente com a pretensão de se fazer respeitado voltavam ao emissor como se batessem numa parede sem causar nenhum efeito, ouvidos de mercador, nem se usassem o estetoscópio adiantaria. Então, ouvi um residente dizer para outro que seria tão bom se já dispusessem de um médico-robô, seria perfeito para um caso como este. Que maravilha! As palavras entraram aveludadas no meu sistema auditivo, massagearam o meu ego, me apontaram um futuro, me contive para não virar o anel de Giges. Gravei a cara daquele residente, tornei-o amigo virtual com muitos likes.
Estava tudo engarrafado com um longo gargalo, o médico-assistente e o paciente sentados, os residentes em pé como que fazendo um cercado, o paciente dispneico e os demais hiperpneicos. Na sala de espera, já se formavam nuvens de tempestade prestes a transformar tempo de atraso em temporal, chuva de reclamações com fortes ventos sobre a imagem do ambulatório. Um efeito dominó.
A notícia espalhou e os residentes daquela linha de frente no ambulatório recebiam mensagens atrás de mensagens dos demais residentes aflitos com a situação querendo saber o que estava ocorrendo de fato. A interferência do caso no ambulatório expandiu-se por outros setores assistenciais do hospital. Agradava me mentalizar como um robô residente.
Uma voz feminina veio do corredor, que bom que o senhor chegou foi dito com notório alívio pela enfermeira abalada com a situação fora de controle. Alguém resolvera chamar o diretor do ambulatório. Era o meu doutor. Cumprimentou a todos com uma cara sorridente, o que já produziu um esfriamento naquela atmosfera, como se diz, o silêncio evita problemas e o sorriso resolve muitos deles. Ele ouviu um resumo do médico-assistente, pensou, sentiu e com voz firme ordenou que todos os médicos saíssem, que ficasse apenas o paciente. Será que ele iria fazer a consulta? O médico-assistente levantou-se e saiu em nome da hierarquia e os residentes também deixaram o consultório confiantes que seriam respeitados em nome das boas experiências que sempre tiveram com o diretor do ambulatório. Não, ele não faria a consulta, estavam confiantes.
A porta do consultório foi fechada e separou um ambiente interno tão invisível quanto imprevisível de um externo congestionado com vários profissionais ansiosos e sem condições de atender os demais pacientes. Em plena 10 horas da manhã de uma segunda-feira, o ambulatório estava parado, quer dizer no quesito consulta, mas nos demais, vocês podem imaginar como estava o balcão de informações…
Lembram-se do relógio que o doutor me deu, não tiro do pulso e quando a porta se fechou acionei o cronômetro. Posso assegurar, então, que a porta abriu após dois minutos e quarenta e nove segundos, embora todos jurariam que foi muito mais, esta questão de tempo quantitativo e tempo qualitativo é componente obrigatório no currículo de um robô.