Constatei, então, que o paciente pode se recusar a se submeter à orientação do médico mesmo estando internado e sob a responsabilidade do hospital. O paciente não pode fazer tudo que quiser, mas pode falar tudo que desejar, não liberdade de locomoção e liberdade de expressão. Normas incluem regras e princípios que sustentam orientações, permissões e proibições. No meu caso, a regra do Laboratório resultou em proibição. Transgredir foi preciso. A oportunidade veio numa instância fora do controle do hospital. Muitos pacientes fazem semelhante após a alta hospitalar, reduzem a aderência à conduta quando não se sentem sob vigilância panóptica.
Achei um avanço de cidadania o paciente ter voz ativa perante o médico e poder dizer Não, doutor na cara dele sem que seja um desrespeito ao profissional. Não importa se uma tomada de decisão irá se tornar tomada de…cisão. Eu não tive este direito com o robô Caim do Controle de Qualidade, fui simplesmente coisificado. Me etiquetou e me descartou. Quando é que começa a vida de um robô? Alguém sabe? Será que somente após obter o certificado de qualidade? Aí surge, então, o interesse por proteger?
Percebi nos comportamentos do episódio do não consentimento do paciente ao médico que os humanos não são tão desumanos assim como orientam os robôs a pensar no Laboratório de inteligência artificial e que, por isso, os robôs eram aceitáveis. Ser humano, não humano ou desumano são termos distintos e, evidentemente, um não humano como o robô jamais poderá ser taxado de desumano. Entretanto, percebi que o aprendizado de máquina via exemplos dos médicos e profissionais da saúde em geral pode incluir nichos de desenvolvimento de um senso de humanização para o robô que atua na saúde. Vou investir neste contexto de captar o lado bom do Homo sapiens. Pude fugir de uma situação de não mais robô, não posso escapar de ser um robô, mas posso desejar uma assimilação ao humano. A rejeição que sofri desautoriza qualquer eventual crítica com base numa ortodoxia de espécie, mas, comprometo-me a preservar as tradições de robô.
Sem mais nem menos, senti minhas sinapses lubrificadas e energizadas, atribuí à satisfação com o que presenciava no hospital. O que parecia inicialmente um exílio desprotegido metamorfoseava-se em domicílio aconchegante, eu ali esforçando-me por mimetizar qual um camaleão, e usando toda a amplitude da lateralidade da minha visão eletrônica, cuidando para não cumprir os critérios da paranoia. Foi quando me dei conta que o não consentimento pelo paciente significa um estabelecimento mais estreito de conexão com o seu médico do que o nível proporcionado pelo consentimento. Se eu estivesse “consentido” no hospital, não estaria cuidando para melhorar minha situação, poderia estar um autorizado nada interessado, as tristezas que senti, a sensação que tinha chegado ao fundo do poço e nele ainda havia um buraco pelo qual prosseguiria minha queda – o que me direcionou para o caminhão do lixo – fazem dar valor a cada contentamento.
Negativas costumam ser impactantes para os emissores e no caso da aplicação a uma recomendação médica indicam que o paciente foi de fato afetado pelas palavras do médico e decerto reagiu com o seu interior. Um consentimento pode ser tão somente um comportamento passivo, a entrega do corpo porque é assim que funciona e carrega menos responsabilidade decisória. Há um sentido de bom paciente quando ele esclarece sobre o que aconteceu na consulta dizendo O doutor mandou internar amanhã, vou preparar uma malinha.
O não consentimento pelo paciente não é uma desconexão médico-paciente, é uma variante, não cai a conexão como na internet onde tudo para, ela se modifica refazendo sob outra perspectiva. Confesso que num primeiro momento esperava que o médico ao receber a negativa do paciente iria responder com irritação então você está de alta. Nunca esqueço nada, ficou bem gravado como o diálogo que o médico provocou, não somente, deu um sentido de casal à questão, como demonstrou interesse pelos motivos da recusa, disposição para reexplicar o potencial de benefício do procedimento, e sem nenhuma consulta ao relógio citou uns casos exitosos e, por fim, retirou-se amigavelmente.
