O ambulatório crê num universo de contrafluxos organizados, o que pode ser sintetizado na curiosa expressão contemporânea: a ciência como estado da arte. Já o Laboratório de pesquisa duvida para não ficar refém de um modo estático do pensamento vigente e, desta forma, permite percorrer um mundo de labirintos sem se ater a um sistema (inflexível, dogmático), assim nos liberando ao livre pensar criativo e evitando ficar refém do que achamos que bem conhecemos. Só evolui o que encontra movimento.
A “certeza resolutiva” do método terapêutico que acompanha o zelo do ambulatório em praticar o conhecimento de fronteira e o “método de pesquisa certo” do laboratório consciente da prudência com a fronteira do conhecimento aceitam distintas lógicas e visão de realidade em meio às complexidades. A Bioética assim “acontece” nas trilhas da inter e transdisciplinaridade.
O conceito de devir aplicado à Bioética, porque contribui para a forte atenção à multiplicidade e diversidade do que “há de vir” nos círculos clínicos, minimiza os riscos de cometer violência, que é sempre imputação de algo que não pertenceria à natureza de um corpo. A Bioética valoriza a autonomia pelo pressuposto que por sermos todos diferentes é que somos iguais em direitos e deveres.
A decodificação da comunicação sobre beneficência/não-maleficência no vínculo médico-paciente costuma ter um movimento que começa na noção de um “há de vir” (hiperglicemia acentuada e potencial de coma), prossegue na informação para paciente que é “uno” – um diabético -, converge para esforços de transformação da informação em conhecimento – tratamento intensivo- e de produção do entendimento.
No consentimento ou recusa pós-esclarecimento, fluem a razão e a imaginação. A razão, pelo papel de intuir, deduzir e medir, costuma intervir de forma reguladora sobre o que o paciente conheceu. A imaginação construtiva e criativa faz complementos nas lacunas deixadas pelo que não foi informado ou não resultou esclarecido. Crenças oscilam entre lógica e imaginação.
O desenvolvimento de choques de realidade no decorrer de atendimentos médicos tem raízes no peso com que a razão, a imaginação e a analogia foram sementes que germinaram a árvore de tomada de decisão.
Como cidadãos conhecemos a certeza do devir da semente da maçã, como médicos sabemos das incertezas do que “há de vir”. Neste contexto, a Bioética, como ato, nos lembra que o exercício da clínica admite movimentos pendulares de percepção da eficiência, motivo pelo qual ele deve sempre aliar-se a uma crítica antecipatória de posicionamentos. Ser prudente significa aceitar a nobreza do singular (univocidade) e a riqueza da multiplicidade em devir.
Preparar-se para os fluxos e os contrafluxos do que “há de vir” e para o devir da natureza humana inclui praticar a Bioética.
Bioética, não se movimente à beira do leito sem ela!