Direções opostas. Hoje a emoção de uma promessa. Amanhã a realidade do descumprimento.
Sentidos de culatra. Hoje a acomodação, a fuga do ideal, a palavra impensada. Amanhã a chegada dolorosa do que não se evitou, do que não se quis enxergar.
Médicos acumulam experiências a respeito de dissociações temporais do aqui agora. Conhecem comportamentos de paciente que se enquadram na lição: faça o que eu digo hoje, não o que eu farei amanhã, com adendos sobre forças maiores que levam ao esforço menor.
Em questões de Prevenção na Saúde, há a gôndola do tabaco, há a gôndola do alimento pró-placa aterosclerótica, há a gôndola do sedentarismo, há a gôndola dos alertas científicos sobre maus hábitos. A motivação para selecionar o que se colocará no carrinho do bem-estar é influenciada pela disposição de momento e pela preocupação com o futuro, ora harmoniosas, ora dicotômicas.
A Bioética da Beira do leito valoriza o impacto dos embates entre desejo humano e razão científica e incorpora a noção da instabilidade de movimentos e de contramovimentos sob influência do estado afetivo. Como cardiologista testemunhei uma série de situações onde eventos graves não se tornaram chaves eliminadoras das algemas do tabaco, do alimento pró-placa aterosclerótica, do sedentarismo, evidenciando que a simplicidade da recomendação transformadora do médico colide com a complexidade de padrões de comportamento do paciente.
Em questões de Terapêutica, a Bioética da Beira do leito insere o reconhecimento dos costumes magnetizados pelo imediatismo e repelentes do melhor prognóstico, que participam das tomadas de decisão. Não faltam cenários onde a preferência por simplificação de conduta apega-se fortemente ao velho conceito osleriano (William Bart Osler-1849-1919) da Medicina como ciência da incerteza e arte da probabilidade. A individualidade de preferências está contemplada pela predisposição da Bioética de evitar aposições de qualquer rótulo indelével de CERTO ou de ERRADO https://bioamigo.com.br/?p=4798.
Há muitos exemplos da contraposição É fácil… Difícil Será… Relaciono abaixo 10 delas, representantes do descompasso entre presente e futuro, que se ajusta ao conceito de acrasia –disposição débil do caráter que prejudica que um desejo fundamentado na razão sobre um benefício movimente-se para a vontade da realização. https://bioamigo.com.br/?p=3347
- É fácil privilegiar o prazer de uma tragada de cigarro. Difícil será tragar os desprazeres das consequências da queima da saúde.
- É fácil prometer o cumprimento regular de atividade física. Difícil será bloquear a “sabotagem” dos dias: a do escaldante hoje, a do rigoroso inverno amanhã e a do insone de ontem.
- É fácil criticar o médico pelo insucesso do tratamento. Difícil será admitir a própria displicência com as recomendações.
- É fácil achar um clone do Dr. Google que explique o sintoma de melhor agrado pela negação de importância. Difícil será frustar-se com o diagnóstico realista do médico.
- É fácil decidir, enquanto sadio, que irá preferir não ser intubado ou levado para uma UTI. Difícil será manter mesmo pensamento padecendo do sofrimento antes apenas imaginado.
- É fácil ler a bula para bem saber o que estará tomando. Difícil será fazer o uso depois do pânico pela possibilidade de adversidade que soa atemorizante.
- É fácil solicitar ao médico que antecipe a alta hospitalar. Difícil será ver-se rapidamente de volta pela má evolução associada à alta precoce.
- É fácil desmarcar uma consulta médica com hora marcada. Difícil será enfrentar minutos de fila no PS procurado pouco tempo depois pelo agravamento do sintoma.
- É fácil pressionar o médico para que solicite uma série de exames sem nenhuma indicação clínica. Difícil será conviver com as incertezas de certos achados subclínicos.
- É fácil convencer o médico a prescrever um tranquilizante para dormir. Difícil será acordar para certas realidades incômodas causadoras da insônia.
A Bioética da Beira do leito enfatiza que juízos sobre o vínculo interpessoal entre médico e paciente não devem ignorar o determinante intrapessoal de decisões anti-saúde do paciente do qual ele não pode se eximir de responsabilidades. Por outro lado, a Bioética da Beira do leito dispõe-se à permanente reflexão a respeito de amparos éticos em prol, não somente da efetiva disposição da sociedade para a prática das orientações para benefício à saúde validadas pela técnico-ciência da Medicina, como também do alívio do peso destruidor da fraqueza da natureza humana sobre o empenho pretendido.