O Non nocere ultrapassou o enquadramento na conexão médico-paciente, inseriu-se nas preocupações dos efeitos humanos sobre a natureza e adquiriu senso de alerta à humanidade no campo da farmacologia pelo risco de maleficência num timing bem mais distante da aplicação individual da beneficência.
O É melhor prevenir do que remediar avançou algumas casas no tabuleiro de ludo da saúde na vez da Bioética principialista que motiva mentalizar qualquer método validado como um bastão de madeira com uma extremidade beneficente e outra maleficente. Qualquer corte nesta extremidade maleficente faz surgir outra de mesmo potencial e, assim, sucessivamente. Caso se insista na anulação de maleficência, o resultado será atingir e eliminar a extremidade beneficente. Um ponto de persistência da eternidade das perguntas: Porque há mal no mundo? Porque pessoas boas sofrem males? Como aceitar os Noceres como são sem achar que não deveriam existir?
A tendência será sempre em direção ao Non nocere, mas é preciso ter em mente que o ser humano é, ele próprio, frequente etiopatogenia do Nocere. Ilustra que o Non Nocere expandido “cultural” articula-se com a medicamentalização da vida como parte da medicalização da vida pela enorme expectativa do ser humano de vir a usufruir bem-estar a cavaleiro da ferramenta interna otimista que maneja pensamentos multidimensionais. Contingências desagradáveis da vida são etiquetadas como “depressão” com necessidade de assistência farmacológica à mente entristecida, na contramão, por exemplo, da advertência pela psicologia que o luto deve ser naturalmente vivenciado em consonância com as individualizações de cada um.
Sobre a medicamentalização da vida já se ouviu de liderança farmacêutica que um sonho era não somente tratar doentes, mas também pessoas saudáveis. A eficiência do marketing, inclusive aquele sob máscara de educação médica é realidade que traz conflitos de interesse no âmbito da prescrição de medicamentos, pois liga o piloto automático que conduz a recomendação. O Non nocere expandido alinha-se ao exagerado entendimento popular, via medicina, que o sal de cozinha faz mal, embora indispensável, e o sal farmacêutico faz bem, embora dispensável.
De certa forma, desdobrar o papel da bula retirada de dentro da caixa do medicamento e conhecer seus esclarecimentos dá uma dimensão sobre o bem e o mal agregados a intenções terapêuticas/preventivas. O efeito bula é realidade da subjetividade humana que, por um lado, faz inibir objetividades imprescindíveis, por outro lado, pode valorizar o suficiente de fato útil evitando desnecessidades prescritas com indecisões sobre critérios científicos. Menos é mais cabe na questão que abordaremos a seguir.