O gelado é um analgésico não farmacológico prescrito no pós-operatório de tonsilectomia com comprovada eficiência. Vale dizer, o remédio sorvete admite um poder-saber que, entretanto, não tem suporte científico para outros cenários clínicos de “dor na garganta”, até porque conflita com os costumes. Em termos clínicos, o sorvete não tem indicação fora da operação de extração das tonsilas, mas não pode-se afirmar cientificamente se admite classificar como não indicação ou como contraindicação, uma diferenciação que acolhe variações na interpretação ética.
O Poder do conhecimento na beira do leito precisa lidar com a complexidade da medicina que inclui o fato peculiar que uma conduta , como um simples comprimido, contêm ao mesmo tempo beneficência capaz de se realizar em benefício e maleficência capaz de se realizar em efeito adverso.
A Bioética da Beira do leito adota, por isso, como um de seus alicerces constitutivos o pilar da transdisciplinaridade denominado lógica do terceiro incluído derivado da mecânica quântica. Ela desdiz a lógica do terceiro excluído desde Aristóteles (384aC-322aC), pela qual A é A, A não é não-A (axioma da não-contradição) e em decorrência, inexiste um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A. Todo método em medicina é, pelo contrário A e não-A.
Conjuga com a noção de diferentes níveis de realidade atuantes na beira do leito, também de inspiração na mecânica quântica, mas de histórica adoção na beira do leito. Diante de um paciente dispneico, por exemplo, o médico cuida “enxergando” outros níveis de realidade referentes a evoluções possíveis, por exemplo, a perspectiva eupneica. Se por um lado dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço no mesmo tempo, no nível psíquico isto é possível, haja vista que o médico utiliza a memória da experiência dos casos em que testemunhou a reversão da dispneia e a imaginação que projeta o futuro (prognóstico), o método clássico de planejar a terapêutica.
O Poder do conhecimento na beira do leito alinha-se à medicina baseada em evidências que tem por objetivo a tomada de decisões médicas por meio da identificação criteriosa da avaliação e da aplicação das informações mais relevantes. Admite técnicas quantitativas de tomada de decisão, também utilizáveis qualitativamente e incorpora processos de refino de probabilidades (diagnóstico diferencial, o que pensamos antes e o que pensamos depois do examinar clínico e complementar), avaliação de limiares (tornar-se evidente), análise de decisão (probabilidade de múltiplos desfechos) e apreciação do custo-efetividade (recursos são finitos). Demais, articula-se ao acesso à informação médica atualizada (literatura integradora) e a verificação da validade, da credibilidade da fonte.