Representações de conceitos, contextos e textos na beira do leito energizam uma gama de poder com interações sob infinitas combinações. O médico, revestido da autoridade simbolizada em tudo que seu número de CRM significa etica/moral/legalmente, insere-se em redes de relações de poder na beira do leito, tradicionalmente a prerrogativa de alto senso ético/moral no entorno da saúde humana que lhe confere forte autodisciplina em tomadas de decisão e aplicação do decidido quanto a diagnóstico, terapêutica e prevenção.
É concepção que torna o médico ao mesmo tempo observador e observado num panóptico (Jeremy Bentham, 1748-1832) próprio, e, por conta do significado desta tecnologia disciplinar “confessando-se” continuamente para si mesmo, sensível de modo permanente à virtude da prudência, ao compromisso com o zelo e à preservação da perícia, em busca de uma totalização de dignidade pessoal e profissional, superpondo objetivações orientadoras (“É útil e eficaz” de diretrizes clínicas) e subjetivações restritivas (“É vedado ao médico” do Código de Ética).
Poder é termo definido como capacidade para fazer coisas, capacidade de promover ou resistir a mudanças, habilidade para conseguir o que se deseja, recurso para produzir resultado. O médico faz diagnósticos, promove curas, resiste a cantos de sereia como conflitos de interesse, habilita-se a ampliar e aprofundar conhecimentos da medicina e fora dela, empenha-se em beneficiar a qualidade de vida do paciente e não prejudicar a sobrevida. Pela multiplicidade de poder influente em mesmo caso, é admissível parafrasear o dito por Michel Foucault (1926-1984): a beira do leito é um arquipélago de ilhas de poder.
A Bioética da Beira do leito preconiza que uma das contribuições do estudo sobre poder interveniente na beira do leito é a melhor compreensão de conceitos/contextos/textos, um fundo pedagógico/aconselhador a respeito das potencialidades de cada poder para tecer fios condutores de tomadas de decisão pró-desempenhos “saudáveis” e contra “cefaleias profissionais”. Mas… sempre existe um mas… a coragem moral para ser e vir a ser, comprometida com novos comportamentos com potencial de resultados desejáveis, avessa à síndrome de Poncio Pilatos perante o injusto, é valor que não deve ser desencorajado. A Bioética da Beira do leito lembra que a semântica de disciplina admite não somente rigor e submissão a regras, como também aprendizado de recortes de saber.
Por mais que deliberações na beira do leito estejam aparentemente ajustadas a normas e procedimentos validados, sustentadas pela medicina baseada em evidências, jamais deixa de existir a chance de algum olhar contestador/de dúvida/de descrença no cenário da beira do leito. A frequência e a intensidade crescentes de possibilidades de entrelaçamento de distintos poderes-supervisores mais ou menos organizados, mais ou menos visíveis, com flexibilidade de hierarquia, antes, no decorrer e após tomadas de decisão/condutas provocam ordenações, controles, registros, diferenciações, condicionamentos e comparações atuantes em qualquer uma das 25 combinações possíveis do Pentágono da Beira do leito. À reboque destas forças difundidas e polivalentes, olhares vigilantes internalizados na beira do leito, inclusive, sem necessidade de medidas coercitivas abertas, moldam-se às peças de quebra-cabeças sob relações de poder que fazem ou desfazem figuras de conflitos.