O blog bioamigo não pretende fazer nenhuma consideração sobre o caso em si, tão somente partir do pressuposto que realidades de conflitos da beira do leito no contexto do Pentágono da beira do leito constituem matérias-primas para, respeitosamente, motivar análises éticas/morais/legais de especial interesse da Bioética num recorrente esforço de reinterpretações.
A beira do leito comporta padronizações, convenções e intenções de várias naturezas que movimentam distintos comportamentos em contextos de elogios e censuras, correntezas que podem arrastar o médico e profundezas que costumam deixar aparente apenas a ponta do iceberg. Há sempre um percentual de atendimentos que por algum aspecto não perceptível frustra a expectativa do paciente e torna a nota 10 da auto avaliação pelo médico, concentrado no “dever tecnocientífico” uma ilusão dita real como quando vemos o sol nascer no leste e se movimentar para oeste.
É notório que um caso atrás outro não faz sobrar tempo para que o médico debruce sobre como se deu o atendimento, dando um rewind espontâneo na gravação mental, como quando é obrigado para revisar/se defender sobre má evoluções/acusações. Se o médico dispusesse de um anel de Giges incorporaria muitas lições dos pacientes sobre o lado oculto da conexão médico-paciente.
Médicos podem dizer que se trata de uma tempestade em copo d’ água, ficarem indiferentes por não ser na própria pele e entenderem como algo desproporcional, todavia, o espírito da Bioética prefere uma leitura com mais sensibilidade por entender que se trata de um copo d´água na tempestade, ou seja, o médico insuficiente na capacidade de conter a imensidão de impactos do mundo real. E não estamos aqui considerando o que as novas gerações de médicos terão de conviver com inteligência artificial, aprendizado de máquina, robotização.
O médico foi desde a Antiguidade uma vítima da ambivalência afetiva, em função de sucessos ou falhas. Protestos contra a maneira do exercício profissional e orgulho de ser paciente de determinado doutor celebrado alternam-se na história da medicina. As ambiguidades herói-vilão refletiram na literatura, por exemplo, caracterizações do médico nada favoráveis como ignorante e palhaço e sob admiração como destemido em epidemias e pesquisador benfeitor da humanidade, além de tudo que significam Frankenstein ou o Prometeu Moderno de autoria de Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851) – a primeira vez em que aparece na literatura um médico investigador sem limites éticos e que ao final é castigado- e o O Médico e o Monstro: A Estranha História do Doutor Jekyll e do Sr. Hyde escrito por Robert Louis Stevenson (1850-1894) – que recorre a fórmulas químicas para separar a personalidade maligna adormecida em todos nós e provoca “o acidente de laboratório” que produz um criminoso patológico. Até um médico virou pirata (Capitão Blood) por uma contingência da vida antes de se tornar um governador, obra de Rafael Sabatini (1875-1950).