Todavia, quando o conflito não é exatamente sobre a conduta clínica, mas sobre a organização da instituição/sistema de saúde, regras de funcionamento, o não consentimento/não aceitação pelo paciente de normas gerais que visam uma justiça humana e beneficente, ele se materializa como exceção/privilégio ao cotidiano organizacional.
Decorrência possível é a legitimidade da autoridade constituída e sensível ao diálogo ficar embaraçada por indecisões sobre atitudes reacionais (Que devo, que posso/que desejo fazer?), ou seja, desencadeiam-se desafios e dilemas sem muita chance de solução pela insuficiente capacitação da linha de frente da equipe acerca da interação com a ética, a moral e o legal. Vaivéns sobre atender ou não a vontade disruptiva transvazam para a desagregação relacional, muita energia útil para os fins habituais é desperdiçada em idas e vindas tumultuadas.
Nuvens carregadas de dúvidas formam-se sobre a beira do leito, sentimentos negativos afloram na equipe profissional e ficam dominantes à medida que o conflito fica cada vez mais aparentemente insolúvel, a surpresa inicial transforma-se em angústia, em revolta por não poder atuar segundo o estado da arte como se aprendeu e em temor pela perspectiva de acusações de má prática, ao mesmo tempo em que o paciente deve permanecer sob cuidados beneficentes/não maleficentes. O viés do avestruz torna-se impossível. A angústia introjeta no profissional, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come domina 24/7, portanto, amplia-se para longe da beira do leito, o comprometimento da rotina evolui para uma situação emergencial.
Submissões da autonomia à heteronomia tendem a ser progressivas, quaisquer concessões de privilégio têm o potencial de uma próxima reivindicação ainda mais conflituosa, inclusive com a possibilidade de o ecossistema da beira do leito vir a conviver com disposições heteronômicas extraordinárias, por exemplo, desde o Judiciário. Evidentemente, a imperiosa obediência a uma ordem judicial favorecedora da visão pelo paciente extingue diálogos com o mesmo a respeito das razões que determinam as normas institucionais revogadas numa individualidade e que incluem, por exemplo, aspectos sanitários de interesse do próprio paciente contestador.
A tendência de conflitos não resolvidos associados à sensação de perda da liderança profissional de tornar-se uma bola de neve maior à medida que rola em direção à equipe profissional resulta num peso progressivo altamente impactante no ambiente da equipe. Constitui etiopatogenia, diretamente de burnout e, indiretamente, de comprometimento do atendimento a demais pacientes. O médico é um ser humano e por mais que domine o profissionalismo não fica imune a poluições tóxicas do ambiente de trabalho.