A Bioética preserva a preocupação de nascimento com os efeitos humanos da aplicação da tecnociência, ou seja, insere-se num contexto alargado de Antropoceno (época geológica atual em que o ambiente terrestre com suas características físicas, químicas e biológicas é fortemente condicionado em escala local e global pelos efeitos da ação humana) e na missão de resguardo de uma situação de vantagens da tecnologia sobre efeitos negativos do progresso.
É sabido que o Homo sapiens convive atualmente na Terra na fase da informação articulada com forte aceleração do progresso tecnológico e do conhecimento e enorme proatividade, condições que provocam inéditas modificações artificias sobre a natureza. É fase extremamente mais impactante do que as prévias de caçador-coletor neolítico, sedentário dedicado à agricultura e pecuária e agente da revolução industrial, em sequência para atender necessidades crescentes.
Se a Bioética nasceu pela inteligência natural cautelosa e preocupada com a inteligência natural progressista, a entrada na humanidade da inteligência artificial, aliada à tecnociência e à cultura, tal qual um “game changer”, admite, na área da saúde, papel relevante para a coexistência, sobrevivência e sustentabilidade do ser humano frente às transformações que ele próprio produz.
Em outras palavras, a inteligência artificial inclui contribuições para reverter efeitos da inteligência natural. Ilustra-se no apoio ao diagnóstico, terapêutica e prevenção em relação a decorrências dos acréscimos etiopatogênicos e fisiopatológicos causados por maus hábitos do ser humano refém do crescimento da inteligência coletiva da humanidade, tais como sedentarismo, má nutrição e uso de substâncias nada saudáveis.
A vertente da Bioética clínica valoriza a inteligência natural que subsidia a medicina desde Hipócrates (460 aC- 370 aC) e inquieta-se com as perspectivas de uma inserção não criteriosa da inteligência artificial na beira do leito. A ciência da computação – originada na inteligência natural e propiciadora do uso da inteligência artificial – está firmemente incorporada na medicina e contribui sobremaneira para ampliar a capacidade humana de obter as melhores disposições e soluções disponíveis na área da saúde. A valia está em atuar em prol não somente do beneficente, mas também do não maleficente, haja vista que a inteligência natural da qual deriva tem efeitos maleficentes associados a beneficentes.
A integração entre inteligências deve ser vista em duas mãos de direção. Da natural para a artificial propiciando sistemas ligados a máquinas de alta eficiência clínica e vice-versa, com o potencial de cooperar com subsídios para a qualidade da fundamentação clínica.
Em outras palavras, componentes do “ganho operacional “que são obtidos na inteligência artificial “devolvidos” para dar mais abrangência e profundidade à inteligência natural no diagnóstico, no planejamento terapêutico e no exercício da prevenção em meio às complexidades que se acumulam na beira do leito.