Um pensamento computacional ajustou-se à prática da medicina nas últimas décadas e cada leva de novos médicos reforça as influências de suas dimensões agregadas desde a formação universitária.
Há necessidade de constante reavaliação se o espírito da Bioética, as motivações de suas proposições originais não resultem comprometidas a reboque de habilidades lógico-matemáticas, pensamentos criativos, raciocínios e maneiras de tomada de decisão com forte sustentação pela diversificação de expansão de tecnologias.
A Bioética da Beira do leito entende que o pensamento computacional atuante no ecossistema da beira do leito – cada vez mais digital com maior ou menor ligação à internet- é imprescindível auxiliar na resolução dos desafios diagnósticos e terapêuticos, contudo, associa-se a certa tendência para o desequilíbrio entre favorecimento ao sucesso tecnocientífico e imprevisíveis comportamentos humanos.
Em outras palavras, reforça o potencial de vieses de independência entre processos de pensamentos coletivos beneficentes/não maleficentes com alta objetividade tecnológica, “verdades anatômicas inquestionáveis pelas imagens”, por exemplo, e habituais reações de individualidades da pessoa, ou seja, antinomias entre concretos e abstratos.
Exercícios sobre “pensamentos de médico” sob influência computacional incluem “reforços” de algoritmos, decomposições/recomposições, traços de abstrações, reconhecimentos de padrões e, inclusive, aspectos de metacognição, ou seja, auto monitoramento (interno) acerca do processo de aprendizado (desde o exterior). Um pingue-pongue entre estímulo à prudência e liberação da sensação de onisciência.
A simbiose tecnologia/pensamento computacional inovou formas de abordagens das necessidades do paciente e, logo fez perceber o imperativo da diferenciação entre, por exemplo, usar um método latamente tecnológico numa área da atuação, e pensar criticamente na contribuição independente do glamour da tecnologia e dentro das peculiaridades de conhecimentos, habilidades e atitudes usuais na especialidade.
Há a utilidade do método e há o útil do processamento da informação, há o potencial de significados e há a significação. Padronizações, protocolos institucionais, diretrizes clínicas no âmbito da medicina ao serem direcionados a determinada pessoa exigem a arte de aplicar a tecnociência segundo variantes circunstanciais. A medicina de precisão com auxílio da farmacogenômica é ilustrativa.
Precisões, imprevisibilidades e incertezas do binômio doença-doente absorvem o contexto do paradoxo de sorites de Eubulides para o ecossistema da beira do leito, alertando para a legitimidade de interpretações com flexibilidades, ou mesmo, o valor da tolerância a oposições de opinião. O chamado jogo de cintura para o meio de campo acerca da interação entre inteligência natural e tecnologia/pensamento computacional deve ser visto como um escudo humano a um domínio da “metralhadora” tecnologia que coabita a medicina e é consumida na conexão médico-paciente.
A Bioética da Beira do leito preocupa-se com os modos de adaptação aos efeitos de decomposição, abstração, reconhecimento de padrões, formulação algorítmica e metacognição alinhados ao pensamento computacional, mas, ciente que desde Hipócrates (460aC-370aC) eles de alguma forma estão presentes no raciocínio clínico tradicional.
A história da medicina é bem ilustrativa. O conhecimento das doenças pelas correlações clínicas com necropsias, a descoberta da vacinação, o encontro com o salicilato de sódio no pântano de febres e a formulação inicial da digitalina são alguns exemplos que não permitem esquecer que a computação/tecnociência é fruto da inteligência natural.
O ponto é o quanto haverá de abuso, o quanto de calibragem do uso da tecnociência de mãos dadas com o computacional deve ser entendido como em dose ética, em harmonização humana, com equilíbrio entre o pensamento chamado lento, mais consciente/reflexivo e o pensamento rápido, mais inconsciente/involuntário.