Considerando o ambiente médico, admissões de privilégios na inter-relação entre responsabilidade e oportunidade subentendem a capacidade de fazer dentro de uma organização. O jovem entra na faculdade de medicina pretendendo vir a ter oportunidade de se inserir no sistema de saúde e, à medida que ascende na competência (conhecimento, habilidade e atitude) vai “se privilegiando” adquirindo respeito profissional, não somente entre pacientes como entre pares e habilitando-se para ascensão hierárquica numa Instituição de Saúde, num Serviço Universitário.
Após virar a ampulheta do seu tempo profissional, à medida em que médicos conhecem melhor o “em si mais autêntico” do ecossistema da beira do leito, eles se deparam com a necessidade de aprender a calcular probabilidades de acasos, inesperados e desconhecidos da aplicação do rigor científico, tarefa sem fim, que traz reações mais conformadas ou mais revoltadas em relação aos limites da medicina.
Todavia, quando médico(a) sofre obstáculos à espiral ascendente da competência, um contratempo determinado por alguma modalidade de injustiça, há grande chance de comportar-se fiel ao próprio instinto – o narcisismo compensa a perda do aparelhamento instintivo-, descartar, por se atribuir importância, sugestões para a indiferença, vale dizer, se conscientizar de fora de lugar, que não teria lugar.
Reproduzindo palavras de Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) sobre o valor do tempo na vida de cada um, o médico(a) sente parar seu relógio, cair os ponteiros. Gera-se um dissidente, um ressentido, um deserdado do legado hipocrático, um exilado na própria pátria. A sutileza da obstinação ao objetivo revela-se um sábio valor reativo- o valor é da vontade, a verdade é do conhecimento. Como dito por Niccoló Machiavelli (1469-1527), qual o príncipe, o médico(a) deve evitar ser tanto crédulo quanto precipitado, não exagerar na confiança para não se tornar um incauto e não ser excessivamente desconfiado para não se fazer intolerável, bem como aplicar um combo de qualidades da raposa para bem passar a conhecer os laços e do leão para lidar com os lobos. Mas, sempre tem um mas, há disposição interna para aplicar frente à força do sistema.
Assim como na terapêutica contemporânea a beneficência realiza-se em benefício apesar da agregada maleficência dos métodos, o que agrada ao médico pensar e ver realizado pode não convir a outros. Por isso, desde a formatura até a aposentadoria, o médico(a) ético ao se esforçar para bem comportar-se segundo sua óptica expõe conteúdos que não são necessariamente apreciados pelos colegas, incluindo a possibilidade de os sintetizar como calculismo egoísta, nada incomum.
É efeito colateral da utilização de valores/virtudes como instrumentos intelectuais e morais para conviver com inquietações e percepções de vulnerabilidade desencadeadas pelo entorno profissional e de alguma forma preservar a vontade de os ultrapassar o mais surdo possível ao “anjinho mau numa orelha” extremado recalcitrante do utilitarismo e que desdenha do respeito por uma concorrência ética com os colegas.