A medicina defensiva tem um aspecto adaptativo ao ambiente vigente, às abrangências do diagnóstico diferencial, às estratégias de condutas terapêuticas e aos planejamentos preventivos. O período de aprendizado do médico traz convivências com lacunas do conhecimento, das habilidades e das atitudes, conscientiza sobre o certo que dá errado e gera dúvidas sobre desempenho profissional que deixam sequelas como um contínuo e intenso incômodo com perspectivas negativas. Algo que impregna e fica ativo para evitar o desprazer da crítica por imprudência ou negligência, uma pulsão para enquistamento com grossa camada de objetividade da qual o médico não pode se livrar porque a complexidade da medicina não permite.
A Bioética da Beira do leito percebe que não basta o médico anotar no prontuário do paciente suas considerações clínicas, seus resultados de anamnese, exame físico e raciocínio clínico, a contemporaneidade passou a exigir complementações por imagens, números, posicionamentos de colegas. Inverte-se o original a mulher de Cesar não basta ser honesta, precisa parecer honesta para a mulher de Cesar não basta parecer honesta, é preciso ser honesta. A “transparência” sustentada pela superioridade de objetividades sobre subjetividades nas habituais zonas cinzentas que envolvem definições de diagnóstico, conduta terapêutica e aplicação de prevenção.
A Bioética da Beira do leito interpreta a medicina defensiva como um exagero da letra D sobre as demais no acrônimo DICA sobre exames complementares: D=documentativa tão somente, I=interpretativa, ajuda a definir, C= complementar, algo a mais impossível apenas pela clínica e A-atributiva, única forma de identificar.
O aumento da complexidade tecnocientífica pelo progresso da medicina, a ampliação das circunstâncias de atuação profissional desde a preconcepção até a pós-morte do ser humano, a pluralidade dos componentes bióticos e abióticos no ecossistema da beira do leito atraem o acautelamento profissional pela medicina defensiva. Não é fácil hoje em dia dar uma de Ulisses convicto de passar incólume pelo canto das sereias devidamente amarrado e surdo.
A Bioética da Beira do leito identifica que não parece ser bastante cercar o paciente da atenção acolhedora tecnocientífica, moral e legal, é essencial ampliar a visão sobre possibilidades de situações ofensivas (em seu duplo sentido). Vale a analogia com a defesa das cidades, as estáticas muralhas de antigamente tornaram-se inócuas e a proteção requer aparatos antiaéreos sofisticados, o “radar sempre ligado”.
A Bioética da Beira do leito entende que os princípios da Bioética são especialmente úteis para subsidiar providências defensivas numa medida ética em conformidade com a beneficência do validado, a não maleficência com a individualidade e o respeito à autonomia. A sequência da conduta recomendável, conduta aplicável e conduta consentida é excelente processo de defesa integrada do paciente e do médico.
A Bioética da Beira do leito acredita que o manejo dos conflitos, dilemas e desafios que surgem no processo de tomada de decisão pari passu com a ajuda da Bioética contribui para a legítima defesa do médico e facilita dosar o quantum satis de uso de métodos, assim reduzindo tensões e desdobramentos cumulativos de preocupações motivadores dos excessos da medicina defensiva.
Distinguir defesa do médico – baseada na competência profissional, segurança profissional e autoconfiança – e medicina defensiva – associada a inseguranças desde o interno e desde o externo, excessos de pensamentos e decorrentes aplicações e desperdícios de recursos- é essencial para que cada médico(a) possa cumprir o persistente imperativo de (re)avaliar como deve se comportar em meio às 25 possíveis interações contemporâneas do Pentágono da Beira do leito.