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1242- Valências no ecossistema da beira do leito (Parte 4)

A hipocondria moral, como assinala Erich Fromm (1900-1980), é preocupação narcisista que, ao incidir no profissional da saúde, o torna refém de um alterego permanentemente ruminando serei processado se, inclinado a uma insistente autoacusação perante má evoluções- ou mesmo erros cometidos-, recriminando-se por não ter aplicado a “outra” conduta, e até mesmo, sentindo-se – e sofrendo- imprudente/negligente pelo não fazer que foi imposto pelo não consentimento do paciente. Não lhe falta uma coleção de severos juízes imaginários.

Uma representação das múltiplas interfaces entre vigor da convicção e caprichos da consciência, é o recorrente ar de incredulidade entre jovens profissionais da saúde quando lhes afirmo no contexto da Bioética que diretrizes clínicas ou mesmo protocolos de conduta são imprescindíveis bússolas – ou waze para seremos modernos-, mas não algemas, em suma, são passíveis de ajustes individualizados. Atribuo à dificuldade atual para auto ajuizar os limites da liberdade de escolhas tecnocientíficas e ao noviciado sobre ousadias de transgressões e sobre a consideração que excelência profissional inclui modos éticos/morais/legais que permitem – e exigem- interpretações de texto e de contexto do estado da arte, vale dizer, requer estar de fato presente e não tão somente como um avatar da tecnociência.

Testemunhei nestes 54 anos de atividade clínica o quanto o paciente mudou, passou a exigir o diálogo além da anamnese e a aplicação do rigor científico com simultaneidade de aberturas e de tolerância. A aquisição do direito à voz ativa mandou para o museu a concepção do paciente ideal de quando fiz o juramento de Hipócrates na solenidade de formatura e que foi grosso modo ordenado por Rachel Naomi Remen (nascida em 1938) ao final dos anos 70 do século XX.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A organização da tomada de decisão por um processo valoriza a cooperação, a responsabilidade e a vontade em equipe – redutor do tendencioso e do preconcebido-, sendo que o paciente é parte integrante da mesma. Todos, sem exceção, devem estar imbuídos da disposição para educar e serem educados, não somente como e porque se adoece, mas também como se permanece saudável. Cada um depende da informação do outro para dar o sentido de equipe. A mãe (pediatria e puericultura) e os pacientes crônicos foram habituais exemplos de retentores de conhecimentos desde os médicos que os “inseriam na equipe” e, atualmente, a difusão de assuntos médicos deu mais fundamentos para uma ampla participação leiga em variadas equipes.

Este pertencimento pelo paciente que facilita utilizar meios científicos e obter resultados humanos subentende a voz ativa – e, portanto diálogo -, e costuma carregar alguns pontos de inferioridade em relação aos demais membros da equipe: desconhecimento técnico, falta de costume para ponderar os componentes de uma decisão, vulnerabilidades associadas a efeitos da morbidade atuais e futuros. Por isso, se indecisões são frequentes – e admissíveis- entre profissionais da saúde, é plenamente justificável – e esperado- que pacientes manifestem hesitações, já possíveis até mesmo para procurar atendimento porque ocultam as dores e os sofrimentos de si mesmos. Em outras palavras, processos de tomada de decisão no ecossistema da beira do leito podem ser figurados como uma sucessão combinatória multidimensional (sobreposições) de valências que se fazem positivas (atração) ou negativas (repulsão) ao longo dos atendimentos.

A Bioética dita principialista é balizadora eficiente de tomadas de decisão, fornece matéria-prima para a construção de margens seguras para os fluxos energizados pelo raciocínio clínico, contudo, a fim de evitar transbordamentos, as individualidades clínicas e humanas requerem a conscientização da ética da responsabilidade de Maximilian Karl Emil Weber (1864-1920) no manejo das valências decisórias: devemos responder não apenas por nossas intenções ou nossos princípios, mas também pelas consequências de nossos atos, tanto quanto possamos prevê-las. Já se foi o tempo do entendimento que a arte médica se baseia no olhar de relance, no olho clínico, numa visão de profeta. Hoje, o olho exercitado que mais vale é o das evidências pelo experimento e pela experiência, este par que distancia das fake views. A responsabilidade moral com a boa deliberação/recomendação está expressa no Código de Ética Médica 2018 nos Art. 4º: É vedado ao médico deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado e Art. 6º: É vedado ao médico atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.

No processo de tomada de decisão que se faz atrelado ao respeito ao consentimento pelo paciente no ecossistema da beira do leito, as opiniões profissionais, enquanto maneiras para julgar algo de modo técnico, precisam ser expressões verbais referentes a atitudes de impacto no bem-estar, na qualidade de vida e na sobrevivência. A convicção, enquanto opinião solidificada, do médico sobre uma recomendação para a qual assume responsabilidade, não deve soar para o paciente como uma imposição, mas como requisição a uma atitude sobre o direito ao consentimento. A aplicação de persuasões/dissuasões, enquanto utilizações de argumentos ao paciente, é dependente de intencionalidade e exigente de uma relação interpessoal e motivadora da ética da responsabilidade.

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