Bioamigo, o profissional da saúde tem seu cotidiano no ecossistema da beira do leito atarefado por tomadas de decisão. Num contexto de sistema de decisão – interligações e interações-, ele junta várias pontas técnicas e humanas e assume responsabilidades que requerem um conjunto de matérias-primas cognitivas e comportamentais aplicado propositiva ou reativamente sob coordenação da experiência profissional e alinhamento ético/moral/legal.
A incorporação crítica das vivências nas interligações e interações é fruto da semeadura de atendimentos, vale dizer, das colheitas de aprendizados multidimensionais com os resultados práticos. Em analogia ao que se comenta com otimismo sobre inteligência artificial e learning machine, é válido afirmar que o profissional da saúde constitui-se numa inteligência natural humana “máquina” de aprendizado.
Esta “máquina” com energias renováveis, em função de curiosidade profissional, colaboração multiprofissional e transdisciplinar e agilidade técnica e emocional, entre outros aspectos, torna-se cada mais inteligente com o passar do trabalho- organizado e disciplinado profissionalmente segundo uma modalidade lógica de inteligência, ou seja, o profissional da saúde dedicado é um continuado suplantador de si mesmo.
A inteligência natural humana conjuga-se com as potencialidades humanas e, assim, no ecossistema da beira do leito onde ocorre um ser humano cuidando de outro ser humano admitem-se outras modalidades além da lógica, com destaque no aspecto social das ciências da saúde para os tipos interpessoal – que promove a compreensão do outro- e intrapessoal – que possibilita o auto reconhecimento e os planejamentos.
Bioamigo, a learning machine (após treinamento inicial, o software adquire o potencial de aprender por si mesmo a partir da sucessiva interação com os dados) associada à inteligência artificial pode configurar um abiótico “biótico” no ecossistema da beira do leito, ser entendida como a presença de um colega eletrônico (eProfissional) para atuar ao lado, ou, então, para substituir com presumível vantagem, tarefas da atenção à saúde, especialmente dotado de uma rapidíssima capacidade de reunião de dados.
Podemos entender que a constituição da inteligência artificial voltada para o ecossistema da beira do leito seja um espelho do aprimoramento monumental de séculos de aperfeiçoamentos da medicina desde Hipócrates (460 aC-370 aC) numa sequência inteligente de ultrapassagem de limites, que, agora, no século XXI, adquire programação eletrônica para mais abrangência e mais profundidade em menores unidades de tempo.
Faz lembrar – e homenagear- o clássico olhar de relance clínico – o paciente chega com facies de dor, inclinado para a frente e com a mão no flanco, então, imediatamente o médico diagnostica cólica renal- com que os colegas antigos aceleravam os passos-a-passos de natureza “algorítmica” em função do aprendizado vivencial.
Recordemos, bioamigo, a quantidade de aperfeiçoamentos que aconteceram sustentados no raciocínio profissional orientado (inteligentemente) de forma algorítmica pelo cérebro humano interessado em encontrar melhor qualidade de rumos em apreciações e em soluções, em feedback com o crescimento da disponibilidade beneficente, especialmente a partir do século XX e que teve um ápice na medicina baseada em evidências.
Parece-nos essencial, bioamigo, não se perder oportunidades para rememorar qualidades humanas que se desenvolveram no ecossistema da beira do leito, até porque, apesar da vizinhança da absorção das mesmas pelo domínio da inteligência artificial e aprendizado de máquina, por algum tempo ainda elas persistirão vigentes em heterogeneidades do ecossistema da beira do leito e passíveis da atenção ética/moral/legal, por exemplo, pela Bioética. Destaco quatro delas:
EFICIÊNCIA
A eficiência enquanto qualidade sem erros (idealmente) cresceu ao longo dos progressos tecnocientíficos sustentada pela inteligência natural do profissional da saúde observador-curioso, disciplinado na aplicação da tecnociência, reativo ao paciente e criativo. A eficiência (a)caso a (a)caso nas ciências da saúde não permite total redução a regras – a engessamentos em geral-, inclusive porque é impossível erradicar dúvidas e incertezas ou na etiopatogenia, ou na fisiopatologia, ou na terapêutica, ou no prognóstico, mesmo em excelências do estado da arte.
Se há um ponto de partida marcado pelo princípio da beneficência (conduta recomendável), seus imperiosos desdobramentos em conduta aplicável à individualidade (filtro por aspectos de adversidades e de contraindicações absolutas ou relativas) e conduta consentida (filtro pelo direito do paciente à voz ativa) requerem sucessivas adequações pela inteligência natural humana. É essencial o profissional da saúde acautelar-se de tendências a automatismos de reação beneficente pelas salvaguardas representadas pelos princípios da não maleficência e da autonomia. Quero/Posso/Devo é tríade substancial no ecossistema da beira do leito que orbita ao redor dos três princípios da Bioética mencionados.
Em circunstâncias de não consentimento pelo paciente à recomendação profissional, por exemplo, a valia tecnocientífica se afasta da valia moral, pois a boa-fé do profissional da saúde não pode ignorar o direito do paciente ao princípio da autonomia. Decorrem óbices ao pleno enquadramento no conceito de eficiência pelo desfazimento da oportunidade da aplicação da conduta aplicável para não ferir o respeito ao ser humano nomeado como paciente que se mostra em contraposição ao profissional da saúde.