No âmbito mais extremo do olhar do ser humano tanto como componente de uma espécie quanto como um indivíduo necessariamente interconectado ao todo biótico e abiótico de um ecossistema, entendendo que o humanismo não tem como reverter nem os danos à natureza provocados pelas “diversidades poluidoras” da vida humana atual, nem os óbices às coexistências, muito menos as enraizadas confusões de limites entre natural e cultural, o pós-humanismo refere-se a um radical mundo a se tornar habitado por seres com profundas diferenças em relação ao que agora conhecemos (talvez animal, talvez anjo, talvez demônio).
Haveria novas organizações sociais, políticas e econômicas com uma “mentalidade” distinta da que os humanos consideraram premissas antropocêntricas para se ver “humanos” (pós-humanismo cultural). É teoria que tem conotação mais acadêmica, utiliza-se fortemente da criatividade, despreza hierarquias ontológicas e abraça uma visão não antropocêntrica e não dualista (humano e não humano, natural e artificial, tecnologia e natureza), bem como valoriza hibridizações.
O pós-humanismo enfatiza a existência de uma vigorosa plasticidade associada a uma riqueza somática que possibilita uma multiplicidade de direções ontogenéticas, o amálgama dos patrimônios individuais e culturais forjando novas dimensões, numa pluralidade que deve ter seus limites existenciais. Uma análise histórica revela que o Homo sapiens é fruto de um percurso de evolução adaptativa que não tem um ponto final.
O pós-humanismo articula-se ao potencial transformativo proporcionado por tecnologias da existência como biotecnologia, nanotecnologia, robótica, cibernética e migração espacial, o que representa simbiose entre a energia do conhecimento e a materialidade prática. Nesta reconfiguração que exala a natureza desejante do ser humano, a concepção pós-humanista posiciona a tecnologia como um parceiro ecológico.
O conceito de pós-humanismo sensibiliza-se com objetivos de perfeição humana – desaparecimento do racismo e do sexismo, por exemplo-, quais batedores que vão a nossa frente abrindo caminho para o futuro reverberando que é “assim que as coisas devem ser” (como escrito por Rollo May), o que traz posições ambíguas, o medo do desconhecido, a curiosidade pela novidade. Confesso que na presente elaboração já me surpreendi em momentos mais favoráveis e mais desfavorável ao pós-humanismo, mas, alinhado ao modo Bioética de análise, mantenho-me imparcial e assim reforço o entusiasmo atrativo do tema.
Um motivo da ambiguidade sobre a condensação de humano e tecnológico é a interrogação sobre o que acontecerá com as motivações dos seres pós-humanos para vencer as imperfeições (a não ser que elas inexistirão). Acredito e valorizo como um bem do ser humano a existência de um sentido compensatório-impulsionador nas deficiências que influencia positivamente a vocação do ser humano (quer a de estar analfabeto e dispor-se a aprender a ler e a escrever, quer em relação a um ofício – vide as biografias de Antônio Francisco Lisboa, 1738-1814, o Aleijadinho e Ludwig van Beethoven, 1770-1827).
Ademais, no âmbito do dilema moral sobre se devemos ou não levar adiante saltos de aprimoramento humano, é difícil não se imaginar Winston Smith, o personagem George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903-1950) em sua obra 1984, que sucumbe à supressão da individualidade exercida pela Polícia do Pensamento. Ou então, ainda no contexto da literatura de antecipação, como não pensar na denúncia do Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1894-1963) sobre a pílula soma e a divisão em castas associadas ao progresso científico?