IX
Bioética e o pensamento transumanista
Nossos pensamentos são livres, Cicero (106aC-43aC)
Acredita-se que o Homo sapiens exista a bem mais de 200 mil anos, originário na África oriental e hoje cerca de oito bilhões habitam boa parte dos 30% dos aproximadamente 510.072.000 km2 da Terra que não são oceanos. Há cerca de 500 anos, o Homo sapiens protagonizou a Revolução científica e há poucas décadas, acelerou um processo de profunda diferenciação de sua existência ditada pela sua inteligência aplicada em ciência e em tecnologia. Há forte motivação para a Bioética envolver-se com as projeções deste futuro próximo da humanidade, incluindo o que poderá acontecer com os valores habitualmente necessários para a sobrevivida e o crescimento, com os limites do sistema científico, enfim com a filosofia da ciência.
É útil ao profissional da saúde compor e lidar com sua caixa de ferramentas tecnológicas tendo em mente o valor do pensamento científico sob quatro dimensões:
a) ontológica: o que faz sentido;
b) axiológica: tarefas e objetivos;
c) metodológica: sustentação da cientificidade;
d) epistemológica: alcance para gerar conhecimento.
Coopera para minimizar arroubos de respostas definitivas por avançada cientifização da vida humana. Implica na razoabilidade para filtrar o que possa constar “dogmaticamente” como beneficência.
O profissional da saúde é, idealmente, um otimista prudente. A concepção representa a cautela não paralisante no aperfeiçoamento das condições de vida sustentado pela tecnociência e que muitos entendem como prática de uma eugenia positiva, um dever e um direito do ser humano. Menos provável é o profissional da saúde que se movimenta entre a saúde e a doença se dispor a abraçar um bioconservadorismo, ou seja, uma postura social, política, e moral de evitação do uso da tecnologia e de indisponibilidade do patrimônio genético para o aperfeiçoamento do ser humano.
A expansão de um aspecto da vida do ser humano causada pela tecnociência pode provocar retração de outro. A razão passa pela manifestação de hierarquia em competições de valores em escolhas baseadas em tecnologia. Exemplo é a situação conflituosa da beira do leito caracterizada pela chance de realização da beneficência proporcionada pela tecnologia e que fortemente favorece o prognóstico clínico e a preservação da vida e que faz calar a voz ativa (autonomia) do paciente que expressaria o seu interior que preferiria não ter que se submeter à recomendação – um sentido de agressão. Traz desdobramentos éticos e interesse em temas como diretivas antecipadas de vontade (testamento vital), obstinação terapêutica/futilidade de conduta e objeção de consciência.
Bioamigo, a influência hipnótica da tecnologia pode ser ilustrada muito simplesmente: quantas vezes você não testemunhou uma pessoa atravessando uma rua relativamente movimentada, um pouco na frente do seu carro, de cabeça baixa absorvida para o celular na palma da mão, numa movimentação lenta na diagonal e fora da faixa de pedestre… e que olha feio para você se buzinar de advertência.