VI
Bioética na época Antropoceno (época geológica atual onde os seres humanos provocaram transformações com profundos efeitos para o bem e para o mal)
O que importa é a configuração interior que nos permite o equilíbrio com o imposto desde o exterior, José Ortega y Gasset (1883-1955)
Geólogos procuram evidências que justifiquem plenamente a concepção que a época do Holoceno da era Cenozoica já deu lugar à época do Antropoceno, haja vista o enorme impacto provocado pelo ser humano na natureza de modo global. Um exemplo é a contaminação do sal marinho com micropartículas de plástico.
O Antropoceno remete às atividades do ser humano para as perspectivas geológicas do tempo profundo (refere-se à escala de tempo dos acontecimentos geológicos que é imensamente maior do que a escala de tempo nos planos humanos), à consciência da degradação planetária que faz perceber o quanto o ser humano é parte da Terra e pode vir a deixar de ser como os dinossauros.
Após a aceleração da degradação do planeta é que o ser humano se percebeu o quanto faz parte dele. O conceito de Antropoceno facilitaria organizar as medidas de conservação da adaptabilidade humana à Terra apesar da espiral ascendente dos impactos danosos. Curiosamente, a solução de fato reversora do mal para a Terra seria a radical extinção “preventiva” do ser humano às custas de taxa zero de natalidade (extincionismo).
Na verdade, considerando que uma geração herda da anterior e tem a missão de construir melhores condições para a seguinte, o conceito do Antropoceno permite vislumbrar que a tecnociência não é garantia de salvação da humanidade frente aos danos à natureza, é importante forjar novas relações com os outras presenças como os animais, os minerais e os vegetais.
Há vários pontos de referência pensados como iniciais do Antropoceno como a implantação da agricultura, a queda do CO2 na atmosfera pela redução da população terrestre pela exposição da América a doenças trazidas pelos conquistadores/colonizadores europeus no século XVII, a invenção da máquina a vapor, a Revolução Industrial ou o início dos testes atômicos na década de 40 do século XX. Em relação à saúde seria o assentamento dos bandos (nômades pelas florestas) em tribos que resultou na domesticação – e convivência próxima e repetida – de animais até então selvagens. Segundo Jared Diamond (nascido em 1937) em seu livro Armas, Germes e Aço (Editora Record, 2003), deve-se admitir a seguinte relação entre animais “trazidos para o quintal” e o desenvolvimento de doenças humanas:
SARAMPO GADO VACUM
VARÍOLA GADO VACUM
GRIPE PORCOS E PATOS
COQUELUCHE PORCOS E CÃES
Para vir a ser sob novas formas e significados de existência, o ser humano dispõe-se a duvidar das etiquetagens de impossibilidades seguindo o dito atribuído a Jean Cocteau (1889-1963): não sabendo que era impossível foi lá e conseguiu. Esta construção de efeito enfatiza que as possibilidades do ser humano são ilimitadas, inclusive de perseguir a realização de diferentes hóspedes do imaginário coletivo – vide o elixir da juventude. Ademais, desde cedo, ouvimos sobre “realizações de impossibilidades” (Eva e sua clonagem por toracoplastia de Adão, a virgindade de Maria e a nonagenária maternidade de Sara – Abraão conheceu Sara e a concebeu), que exercem um papel condicionante.
A fim de mentalizar como poderia ser o mundo futuro na saúde, cai bem a sabedoria do filósofo e futurista Max More (nascido em 1964): o mundo projetado como pós-humano (modificação extrema do ser humano na pretensão de uma idealidade que faz desaparecer o que conhecemos hoje como humano) não será uma perfeição estática, mas uma sequência de perseguição ao ideal.