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1196- Dignidade e Prudência no ecossistema da beira do leito (Parte 2)

A prudência – ética e virtude- é notável conselheira da arte de aplicar a ciência no ecossistema da beira do leito, pois supõe a incerteza, o risco, o acaso e o desconhecido para escolhas e evitações (conforme André Comte Sponville, nascido em 1952).

A prudência no sentido moderno de precaução instrui o nível de apreciação de legitimidade a modos empreendedor-transformadores de aplicação do passado caçador-coletor de conhecimentos (técnicos e da condição humana) e de normatizações (éticas e legais). Se os alicerces prescritivos – diagnóstico, terapêutico e preventivo- são de caráter coletivo, como acontece com a medicina baseada em evidências, os desdobramentos a serem executados são natureza individualizada.

Devemos nos referir, então, a atendimentos “àquele paciente” e que manifestam habituais instabilidades em inter-relações entre os princípios da beneficência, não maleficência e autonomia, produtores de frequentes desafios, dilemas e conflitos, exigentes de um (re)equilíbrio. Bom e bem duelam com mau e mal visando associarem-se à apreciação da tecnociência e da moralidade, sabendo-se que as evidências de benefício da tecnociência não bastam para a sustentação moral de certas consequências, assim reforçando o valor da prudência como virtude e ética, vale dizer, cooperando para os juízos sobre limites do que se deve e como praticar.

Acontece que no afã do empenho profissional de minimizar sofrimentos e dores e restaurar às normalidades, quando possível, não é fácil lidar com assimetrias inevitáveis, ora o pêndulo na posição de privilégio da utilidade e eficácia do método tecnocientífico (conduta recomendável) – propriedade coletiva da humanidade-, ora para o desejo, a preferência, os objetivos e os valores do paciente (conduta consentida) – propriedade privada. Mesmos CIDs associam-se a interesses distintos – incontestáveis ou não-  no âmbito da conexão medicina-médico-paciente.

Ponto de referência para o (re)equilíbrio é o conceito de dignidade humana desde a concepção até a morte – preconcepção e pós-morte também -, aplicável no sentido de mais adequação e clareza a interpretações sobre tomadas de decisão, o que traz articulações com a perpetuação da espécie, livre-arbítrio e qualidade de vida. Dignidade humana referida como reflexiva- de si para si- e como ostensiva, em relação ao outro.

A reputação alcançada pela Bioética, em função do desempenho em contextos éticos, morais e legais da sociedade, tem muito a ver com a valorização da aquisição, posse, aplicação e aproveitamento de conhecimentos, com o compromisso com a plena compreensão e com o respeito à liberdade. Uma decorrência é a hierarquização do comprometimento com tudo que possa evitar extravios das esperanças do corpo necessitado de atenção (beneficência) em relação às inquietudes da mente do paciente (livre-arbítrio/autonomia). A Bioética direciona matérias-primas da inteligência humana para a composição de itinerários para movimentações intelectuais almejando adequações éticas, morais e legais às circunstâncias de vida vigentes.

A Bioética da Beira do leito entende que três concepções de dignidade no ecossistema da beira do leito têm utilidade para uso pela Bioética:

a) como comportamento virtuoso, relativo quer a atuações em conformidade com expectativas da sociedade sobre atitudes e consequências, quer ao autocontrole em face de adversidades;

b) como um constitutivo valor moral, uma posse que desestimularia “ataques” indevidos, que lhe faz merecer o respeito a direitos humanos;

c) como integridade da existência, estar capaz de realizar as funções de valor da espécie, poder preservar o autorrespeito sob tentativas de sofrer “desumanização”.

Na questão da saúde humana, a dignidade humana associa-se ao direito à vida, à vedação a desumanidades com a tortura, à proibição à escravidão e ao direito à integridade mental e física da pessoa que subentende o direito ao consentimento livre e informado para a aplicação de métodos das ciências da saúde, a proibição de práticas de eugenia em seleção de pessoas, a proibição de fonte de ganho financeiro pelo  uso de partes do corpo humano.

O valor do tema dignidade humana não é exatamente um consenso na área da saúde, pois seria passível de uma apreciação de indeterminação conceitual, inclusive admitindo sentidos opostos,  de uma acusação de antiprogressista  da beneficência na beira do leito e de desnecessária em virtude da prática do respeito à autonomia.

A Bioética da Beira do leito entende que a noção de dignidade humana tem forte potencial de contribuição para a análise dos conflitos do cotidiano no âmbito do pentágono da beira do leito com fundamentação pela Bioética.

A Bioética da Beira do leito enfatiza, ademais, que menções à dignidade humana afastam-se de simplesmente retóricas argumentativas à medida em que aproximam-se de oportunidades de preservação/recuperação do bem-estar.

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