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1195- Dignidade e prudência no ecossistema da beira do leito (Parte 1)

Há uma vida moral no profissional da saúde, tributária do simbolismo na sociedade, indissociável da que aplica métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos. A existência de um Código de Processo Ético-Disciplinar (recentemente atualizado) com possibilidade de aplicação de penas, inclusive de cassação do exercício profissional, indica a importância do reconhecimento do profissional da saúde como um agente moral no ecossistema da beira do leito.

Assim, constitui-se demanda ao profissional da saúde conhecer-se sobre quantum virtuoso se exige de si mesmo, aperfeiçoar-se em conhecimentos e transformar-se sequentemente sensível ao compromisso de se sujeitar à prática deontológica. Por isso, a realização moral de um profissional da saúde torna-o um permanente inquieto severo com sua consciência e com o exterior que causa tensões frequentes com pluralidade de interpretações. Pretende-se o melhor, mas para quem deseja precisão máxima na aplicação das ciências da saúde, vale recordar Albert Einstein (1879-1955): Leis da matemática quando referidas à realidade, não carregam certeza, quando são ditas certas, não se referem à realidade.

Bioamigo, o ecossistema da beira do leito testemunha realidades de atuação profissional sobre qualidade de vida/sobrevivência do ser humano inspiradas pela cautela com as incertezas inerentes a potencialidades e a realizações biológicas. Por exemplo, um fármaco é lançado para uso assistencial após as pesquisas terem concluído pela superioridade em relação ao existente, digamos 80% x 65% de eficácia, todavia, é difícil prever quais pacientes responderão como os 80% ou como os complementares 20%.

Observa-se a impossibilidade de assegurar verdades morais objetivas quando da aplicação/sujeição tecnocientífica. A complexidade da distinção natural entre correção e erro, bom e mau, justo e injusto aconselha o comedimento moral, ao mesmo tempo que não seria de todo contestáveis adaptações circunstanciais sobre o que pode ou não ser realizado em questões referidas à saúde do ser humano, aliás, uma razão para a figura dos conflitos de interesses.

Pelas subjetividades inevitáveis, tanto a visão de cooperação médico-paciente, ambos com responsabilidades aplicativas em relação aos métodos recomendados para a atenção às necessidades de saúde, quanto a de coordenação pelo conhecimento tecnocientífico do profissional da saúde, ambas, precisam alinhar-se ao hábito da moderação em julgamentos moralizadores por terceiros, muitas vezes efetuados por uma reação imediata. Se, por um lado, a tecnociência accessível a todos aconselha (por exemplo pela medicina baseada em evidências), a moral comanda por duas palavras de três letras de sentidos opostos: Sim e Não, muitas vezes precedidas por Talvez, cujas  motivações são habitualmente restritas. São notórios os embates entre a verdade dos conhecimentos e o valor dos desejos.

A legitimidade contemporânea de dissonâncias dos advérbios Não Talvez, ditos por um paciente com valores e objetivos do profissional da saúde alerta para a valia da moderação do comedimento moral, ou seja, constituir-se em experiência antirrotulação, antidepreciação e antiviolência verbal, em promoções de aberturas de visão e de tolerância, e, muito importante, o profissional da saúde comprometer-se com anti-idolatria, antifanatismo, antionisciência e antionipotência. É preciso aprender a bem distinguir entre juízo moralizante (sobre a crença do outro distinta da nossa) e juízo de valor (o que cremos ser melhor).

Uma análise comparativa dos oito Códigos de Ética Médica vigentes no Brasil desde 1929 (o primeiro foi chamado de código moral) ilustra como os três componentes morais formados por código moral, moralidade dos comportamentos e ética propriamente dita (conforme Michel Foucault, 1926-1984) evoluíram no ecossistema da beira do leito brasileira desde: O enfermo deve implícita obediência às prescrições médicas, as quais não lhe é permitido alterar de maneira alguma. Igual regra é aplicada ao regime dietético, ao exercício e qualquer outras indicações higiênicas que o facultativo creia necessário impor-lhe (artigo 8 do capítulo 12 de 1929: Preceitos que se recomendam ao publico seguir em beneficio dos enfermos e da harmonia que deve reinar entre o grêmio médico). Temos, hoje, por exemplo: O princípio fundamental XXI  No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas e o Art. 22: É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Subentendem que divergências de opinião não devem desembocar em exigências coercitivas, mas estimular ajustes nos atendimentos.

Vinculado profissionalmente a uma instituição universitária de ensino de reconhecida excelência, condicionei-me a perceber a beira do leito como uma inter-relação entre pesquisa, ensino/aprendizado e assistência numa movimentação multidirecional, intensa e imperiosa. Sempre me mentalizei aboletado num bumerangue me movimentando, indo e vindo entre as três atividades, mas nunca acomodado, especialmente porque incomodado pela busca do ideal/possível de liberdade para pensar e atuar.

De fato, podermos pensar qualquer coisa (diálogo conosco mesmo) e ao mesmo tempo devermos avaliar a conveniência da emissão ao outro é daquelas disposições que existem segundo uma liberdade teórica, contudo sujeitas a admissibilidades e inadmissibilidades (não-liberdade prática) de exposição/realização. Por outro lado, atuações profissionais sobre pacientes alinham-se a situações de não-liberdade teórica (diretrizes existem para serem cumpridas), contudo, com aberturas para uma liberdade prática (ajustes individuais das recomendações).

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