Num insight que me surpreendeu por não ter percebido até então, a minha trajetória profissional coincidiu com o desenvolvimento da pós-modernidade a partir da década de 60 do século passado. As transformações subjetivas, relacionais e culturais conforme apontadas pelo filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) repercutiram no ecossistema da beira do leito, não poderia ter sido diferente.
A medicina manteve padrões de conduta, códigos e regras como sólidos e estáveis pontos de orientação já presentes na modernidade e teve que se ajustar a uma conceituação de liberdade pela qual o paciente – pessoa como medida de todas as coisas-, embora sem se afastar de ser um sujeito racional quanto aos proveitos da tecnociência, adquiriu uma mobilidade mais leve, responsável pelo próprio bem-estar em conformidade com seu planejamento de vida, bem como reforço da liberdade de escolha, autonomia e autoafirmação. Em termos práticos, o direito de não consentimento a uma recomendação médica apesar desta perfeitamente alinhada com clara beneficência e aceitável maleficência.
A reunião foi um proveito mútuo de duas horas e ambos usufruímos como (bom) tempo qualitativo. Remeteu-me a Erich Fromm (1900-1980). Em seu livro O Coração do Homem, seu gênio para o bem e para o mal, o renomado psicanalista ensina que o narcisismo benigno é útil, faz reconhecer-se competente e é autolimitado pelo relacionamento com a realidade, que motiva a realização de ajustes. Já o narcisismo maligno enxerga o objeto da atenção como posse e não como produção e é censurável pois carece do aspecto corretivo advindo do exterior porque a noção da realidade é tão somente a sua interna e que precisa impor.
O jovem médico não desejava isolar-se num esplendor narcisista, mas não pretendia abdicar de sua bagagem prescritiva do código moral, seus valores e regras acumulados desde a infância e influenciados por fortúnios e vicissitudes, a que se propunha respeitar na intenção de fazer o bem clínico melhor para o paciente. O tempo será o melhor fio de Ariadne para sair dos labirintos profissionais.
Como dito pelo por René Descartes (1596-1650) influenciado pela física clássica: Se você desejar ser um perseguidor da verdade, precisa que pelo menos uma vez na vida tenha dúvida, tanto quanto possível sobre tudo. Complementando com o premio Nobel de Física Niels Henrik David Bohr (1885-1962) influenciado pela física quântica cerca de 300 anos depois: O oposto de uma verdade profunda pode muito bem ser outra verdade profunda.