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1173- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 12)

O jovem médico abordava a articulação entre expectativa que já é o futuro nos apresentando e a experiência que já é passado incorporado. Ficou evidente tempo como a palavra-chave da reunião. Facilita quando é possível perceber uma palavra-chave. O jovem médico manifestava, mais precisamente, que estava embaraçado com o tempo – quem não tem este embaraço? Quem inventou o relógio devia ter muito tempo livre.

Mesmíssimas 24 horas do dia provocam uma distribuição infinita de significados individualizados sobre este período de tempo convencionado. Cada um lida com ele a seu jeito, aliás, matutação aplicável à beira do leito seria como ficaria a adequação à farmacocinética sem Cronos? Pai de Quíron, o mestre de Asclépio. Aliás, pela decomposição múltipla de 24 é que suponho inexistir prescrição de 7 em 7 horas ou de 11 em 11 horas, mais compatíveis com  possíveis farmacocinéticas. Interessante como o alicerce da beneficência tem convenções não exatamente científicas.

Aliás, sobre o enigma do tempo, Santo Agostinho (354-430), quem ajudou a popularizar a ideia do pecado original, que todos já nascemos em pecado – o bioamigo o que acha?-, disse, sem receio da sinceridade: Enquanto você não me pergunta, eu sei exatamente o que é o tempo, já quando tenho que lhe responder, eu já não sei mais. Pois é, na leitura da frase, o bioamigo, por exemplo, ao chegar a eu sei (presente)juntou o passado de responder e o futuro de exatamente, num contexto de milésimos de segundo entre li, leio e lerei. Cronos, o devorador.

O jovem médico estava desassossegado no entroncamento entre passado, presente e futuro. Imaginei que ele poderia, se quisesse, estar falando em nome de todos os jovens médicos. Durante a Residência médica, ele absorvia o treinamento bem consciente que era aquisição de hábitos profissionais, mentalizava o aprendizado acompanhando uma flecha do passado para o futuro, desenvolvendo uma memória necessitada de permanente atualização em feedback com o paciente. O presente não podia ser congelado, o prontuário do paciente era o seu depositário. Por isso, guardara bem guardado para uso no cotidiano ético o conceito de perda de chance do benefício por imprudência no aproveitamento do tempo, o tempo perdido.

Numa auto cobrança de desempenho perfeccionista, ele escarafunchava a exatidão qualificada nas retenções dos conhecimentos e habilidades. Incorporava o que lhe parecia a melhor sustentação para a coexistência do passado orientador e do presente realizador, todavia consciente que a conjugação reunia instantes distintos em função de circunstâncias. Assim vislumbrava sua influência intercessora para o futuro do paciente. Haveria um rascunho permanente visando ao beneficente sobressair-se ao maleficente.

De maneira deleuziana (Giles Deleuze, 1925- 1995), ele fazia uma síntese temporal de realidades e virtualidades ajustada à beira do leito, o diagnóstico como passado que preexiste à terapêutica do presente e direciona o prognóstico como futuro. Interessante, como jamais deixamos de tentar compor simplificações às complexidades apesar de testemunhar que estas sempre resistem e nos fazem – que jeito? – mergulhar nas profundezas do conhecimento. Exige tempo.

As pessoas enxergam suas realidades e daí fazem suas opções. Neste contexto, direcionou o ponto específico do seu drama, a comunicação interpessoal, o diálogo com o paciente na beira do leito. O pano de fundo foi o fardo do seu trauma introjetado como decorrente de incompetência de comunicação no seio familiar. O conflito era entre o seu entendimento forjado na própria pele que deveria se comportar do modo mais espontâneo e sincero com seus pacientes, sempre verbalizando segundo a fluência dos pensamentos e a percepção que colegas mais velhos, supervisores, inclusive, sistematicamente, utilizavam autorrestrições nos diálogos com pacientes, com supressões importantes nos esclarecimentos.

O jovem médico, percebia, assim, a vagueza da palavra esclarecido que adjetiva o Termo de consentimento, do quantum esclarecido. Se é verdadeiro que a fração apresentada das informações cabíveis foi de fato esclarecida, também é verdade que a fração porventura não apresentada não foi esclarecida. Por exemplo, é preconizado que o médico esclareça sobre adversidades específicas da aplicação de um método terapêutico e deixe de lado aquelas inespecíficas pois já são habitualmente de domínio público- epigastralgia  e alergia pelo comprimido, dor pós-operatória.

O jovem médico tinha dificuldade em aceitar reprovações de suas atitudes de acolhimento ao paciente feitas por supervisores da Residência médica. Recebera várias advertências sobre a inconveniência de dar uma ajuda mais direta para as escolhas dos pacientes, embora sem nenhuma coerção, motivado tão somente por um apoio na organização das informações, afinal até os médicos têm incertezas. Falou até em alguns sermões que davam a impressão que ele provocava iatrogenias de comunicação e desrespeitava o direito à autonomia pelo paciente. O disciplinado e respeitoso aos mestres duelava com sua independência de consciência visando encontrar um equilíbrio entre  coesão na equipe e liberdade dos componentes.    APF1

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