Bioamigo, é a nossa realidade: Comitês de Bioética existem há poucas décadas e são escassos. Considero-os imprescindíveis em face a três recentes mudanças radicais e interdependentes na prática da beira do leito. Elas reúnem o deslocamento da primazia da tomada de decisão da beneficência para a autonomia, vale dizer do médico para o paciente; maior complexidade da tecnociência aplicada; multíplices desafios acerca da alocação de recursos.
As tensões que delas emergem no mundo real da beira do leito requerem um fórum de apoio como um Comitê de Bioética para lidar com os desafios, os dilemas e os confrontos. Infelizmente, esta opinião é minimamente aceita entre nossas instituições de saúde. Ocorre a inércia do desinteresse.
Há a sensação que os gestores sintam um temor fiscalizatório e predomina a falta da obrigatoriedade e a escassez de profissionais dispostos à construção multidisciplinar e transdisciplinar. Mas não há porque temer o “lobo mau” se a casa está adequadamente construída como nos ensina a fábula dos Três Porquinhos.
Comitês de Bioética admitem como um dos propósitos colaborar para a educação e treinamento dos profissionais da saúde da instituição, com ênfase em objetivos, que sensíveis às diversidades de origens culturais e profissionais, voltam-se para aprimoramentos nas abordagens éticas de situações clínicas.
Objetivos incluem a promoção do diálogo e de trocas para o fortalecimento da análise crítica, da independência e da comunicação numa moldura ética/moral/legal, bem como a conscientização da disposição e da disponibilidade para dar apoio a todos partícipes sem nenhuma discriminação. Idealmente, os Comitês de Bioética desejam que todos os colaboradores da instituição se considerem seus membros honorários.
Ademais, Comitês de Bioética devem se esmerar para que todos saibam que eles reconhecem as especificidades culturais do profissional da saúde, prezam as particularidades das distintas disciplinas, respeitam as tomadas de decisão e as aplicação das condutas. Inexiste pretensão de julgamentos técnicos e morais das mesmas, afinal os membros do Comitê de Bioética são também profissionais envolvidos com a prática, têm experiência com o mundo real, sentem na pele os mesmos dramas, e assim podem bem representar o coletivo como fórum de consultoria para qualquer discussão a respeito das complexas interfaces entre tecnociência e humanismo.
Comitês de Bioética não têm ambulatório, não têm enfermaria, não pretendem elaborar diretrizes com níveis de efeito e graus de probabilidade. É um desestimulante para uma visão prática. Mas, pelo foco na conexão médico-paciente sensível ao regimento institucional e interligado ao sistema de saúde, os Comitês de Bioética pretendem o máximo engajamento no slogan: Não chegue à beira do leito sem a Bioética! Quem já teve contato pode atestar a utilidade e a eficácia.
Idealmente, os esforços dos Comitês de Bioética concentram-se para que os profissionais da saúde da instituição sintam maior segurança ética e legal na ampla expansão contemporânea dos cuidados com o paciente. São questões atualíssimas: Deve o direito do paciente à autonomia estar sempre no topo da hierarquia dos valores e princípios nos vários cenários? Pode-se considerar outros importantes valores e princípios dominantes em certas ocasiões? A adoção de um pluralismo é possível a fim de evitar uma visão de incoerência da autonomia como a primeira entre iguais?
As ciências da saúde ancoram-se na tradição, na autoridade e na experiência. Nas últimas décadas desenvolveu-se o imperativo uso das evidências científicas no processo de tomada de decisão, cuidando-se, todavia, para que o foco num conhecimento sempre atualizado não desvalorize a vivência profissional beneficente de fato acumulada.
Não se pode deixar de lado a constatação tradicional que o que dá a experiência assistencial se apodera do profissional da saúde, o transforma e o submete pelo compromisso com a verdade sensível. No caso da pesquisa clínica, a conclusão interpretada como evidência precisa incluir-se no domínio de um método para o sentido do translacional. A Bioética é uma das fontes qualificadas dos imprescindíveis amálgamas. Por isso, os Comitês de elaboração de diretrizes clínicas devem contar com a representação da Bioética.