A vigilância mental sobre os acontecimentos na beira do leito e a busca por projeções de solução para o que poderá acontecer fazem com que as antecipações mantenham-se ativas, vale dizer, é idiossincrásica a ansiedade que assim ecoa dentro de nós, nos enredam entre satisfações e frustrações enquanto nos mobilizamos pela mentalização de recursos para enfrentamento… ou fuga (A velha piada- Na guerra, ou mato ou morro). Interessante, que foi há pouco menos de 50 anos que Herbert Freudenberger (1926-1999) descreveu a síndrome do esgotamento profissional (burnout) que comporta a preocupação profissional na etiopatogenia.
Considerando um paciente crônico, pode-se dizer que ele se submete a um cuidado continuado – momentos terapêuticos, momentos observacionais, momentos paliativos- que desafia o profissional da saúde para sequentes preocupações. Antes que me esqueça, bioamigo, a Bioética dispõe de uma academia de instrumentos para dar mais adequada preparação aos vários tipos de ginástica mental mobilizados.
Expressões contemporâneas como: E se…? Vai que… Detestaria se… acontecem também na beira do leito. É da mente humana e matérias-primas para inúmeros constructos com distintos níveis de realidade. Como dito por Charles Monroe Schulz (1922-2000), o criador dos personagens Charlie Brown e Snoopy: Eis o segredo da vida… substituir uma preocupação por outra. A chamada medicina defensiva endossa!
Pois é bioamigo, a medicina defensiva (… de preocupações) é ofensiva, ela descompõe quando pretende aliviar os temores de acusações de imprudência e/ou negligência por uma projeção de sucesso de medidas admitidas como protetivas. Traz grande preocupação da Bioética!
De certa forma, por exemplo, a justificável preocupação do profissional da saúde com as obrigações de fazer o máximo para de fato resultar o esclarecimento ao paciente e de ter a percepção de como está ocorrendo o desenvolvimento, a dupla captura sobre emissão e recepção, tem sido transferida para um atestado de pretenso conforto que, contudo, não assegura o nível que se deve pretender de esclarecimento pelo paciente, como é possível pelo diálogo desdobrante, expansor e multiplicador.
Até porque, bioamigo, informações tão somente por escrito – frias- para o Consentimento assistencial prejudicam os efeitos – aquecedores- do estilo de cada profissional da saúde nos encontros/reencontros tradicionais criadores de um novo saber pelo leigo.
O profissional da saúde contemporâneo tem muito a esclarecer ao paciente em respeito à ética e, por isso, ele deve capacitar-se para um multilinguismo do próprio idioma, dominar variações adaptativas, portar-se na beira do leito como frente a um estrangeiro que está pouco familiarizado com a língua.
Bioamigo, muitos profissionais da saúde não endossam este ponto de vista sobre a proporção de uso do tempo de atendimento pelo diálogo esclarecedor, entendendo que os seus domínios da beneficência é o que interessa e são suficientes para um Sim do paciente após meia dúzia de informações superficiais. Como aprendi de um sábio professor numa mesa-redonda: Muito pronto socorro e pouco ambulatório na formação profissional.
É de se perguntar: Com que é que o paciente se liga e reage ao encontro? Com o domínio das ciências da saúde? Com uma opinião? Com uma retórica? Com uma postura empática? Com uma solução que a dor e o sofrimento fazem superestimar?
As proporções vigentes em cada caso são individuais e, assim, além de valorizarem a pluralidade, requerem as qualidades do olho no olho – os traços distintivos do rosto, a cara que se faz-, do ouvir como se diz- o aspecto vocal, entonações-, porque se há o genérico do “paciente portador de”, há as especificidades imprevisíveis da Sra. Maria e do Sr. João, cada qual com sua biografia.
Certamente, bioamigo, um conjunto de frases arrumadas num documento, mais informação com palavras previamente escolhidas independentemente do contexto do (a)caso clínico do que esclarecimento a ele integrado, numa área tão complexa das ciências da saúde, onde os profissionais estão cheios de dúvidas, não é despreocupante. É uma “terceirização” que, no entender da Bioética da Beira do leito, acresce preocupação, na medida em que impede a comunicação no âmbito das interpessoalidades médico-paciente.