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1144- Humor na beira do leito (Parte 5)

Há outro aspecto do humor, a contribuição para a melhor compreensão dos fatos humanos da conexão médico-paciente. Millôr (Milton Viola) Fernandes (1923-2012) era mestre em construir humor com um fundo de seriedade motivador de reflexão, inclusive com fundamentação alinhada à Bioética: O escoteiro ao ver o idoso apressado para pegar o ônibus, atiçou o cão e o idoso desesperado correu… e conseguiu pegar o ônibus. O escoteiro sentiu que praticara a boa ação do dia. Mas a decisão foi unilateral, sabe lá como ficou o idoso. Vem então a pergunta básica Foi bom para quem?

 

 

A Bioética da Beira do leito entende que a transdisciplinaridade é fundamental na beira do leito e uma de suas nutrições é a literatura. Há muito a captar da criação literária, das entrelinhas bem humoradas dos textos acerca de realidades. Reúnem-se em utilidades para ampliar possibilidades de sentidos no que se ouve, para conhecer modos até então nunca contatados de pensamento, para desnudar relevâncias e para motivar a construção de falas.

O efeito pedagógico da literatura do humor para a comunicação na beira do leito pode ser ilustrado nos exemplos abaixo, adaptados do livro Humor Judaicos, do Éden ao Divã, 2ª edição, editora Shalom, São Paulo.

I

Vá ao mercado e compre o melhor.

– Trouxe uma língua.

-Vá ao mercado e traga o pior.

– Trouxe uma língua. Explico, a boa língua é o que existe de melhor no mundo, a má língua é a o que existe de pior no mundo.

Aplicação: Mesmo método é beneficente e maleficente.

II

Uma pedra caiu sobre um cântaro? Pobre do cântaro!

Um cântaro caiu sobre uma pedra? Pobre do cântaro!

Aplicação: O maior impacto da má decisão, quer orientada pelo médico, quer por desejo do paciente, é sempre sobre o paciente.

III

Quem sopra a espuma de seu copo não tem sede.

Aplicação: O paciente necessitado se apressa em consentir.

IV

Um homem alto com grande barba estava de pé num trem lotado.

Entra um baixinho que não alcança a barra superior e, então, segura na barba do homem alto.

– Solte a minha barba!

– Porque? Você já vai descer?

Aplicação: O paciente é exigente do médico além do disponível.

V

– Estou aflito. Meu filho tem dezesseis anos e quero mandá-lo ao exterior.

Se digo que tem quinze anos não deixam viajar sozinho.

Se digo que tem dezessete anos, não deixam por causa do serviço militar.

– E porque não diz a verdade?

– Excelente conselho, obrigado!

Aplicação: Anamnese precisa ser a mais sincera.

VI

Ambos desejavam comprar o jazigo ao lado do de um grande homem.

Degenerou em briga.

O  sábio interveio: – Terá direito quem morrer primeiro.

A paz voltou.

Aplicação: Muitos conflitos da beira do leito resolvem-se pela argumentação convincente.

VII

Cada um dos irmãos, pobres, recebia uma ajuda de custos de uma pessoa rica.

Um irmão morreu.

O sobrevivente ao receber a sua parte reclamou que deveria ser o dobro.

– Mas seu irmão morreu!

– Quem é o herdeiro dele? Eu ou o senhor?

Aplicação: São infinitas as formas de exigências na beira do leito

VIII

O gato gosta de peixe, mas não de molhar as patas.

Aplicação: Receber o útil requer envolvimento com o agradável e o desagradável do método.

IX

Um alfaiate foi ao Vaticano.

– Você viu o Papa?

– Sim, vi de perto.

– O que achou?

– Acho que ele veste 46.

Aplicação: Médicos estão condicionados a enxergar o paciente como local de doença.

X

– Esposa, preste atenção no meu testamento.  A loja deixo para o nosso filho mais velho.

– Não, ele não tem jeito para negócios, deixe para um dos gêmeos.

-Está bem, a casa de campo deixo para nossa filha.

– Não, para que é ela precisa de uma casa de campo? Deixa para o outro gêmeo.

– Está bem, deixo o carro para o nosso caçula.

– Não, ele já tem carro.

– Esposa, quem é que está morrendo, eu ou você?

Aplicação: Pelo direito ao princípio da autonomia, o paciente tem direito a ser a palavra final na tomada de decisão.

XI

– Filho, honestidade e sabedoria são muito importantes.

– Me explica, pai.

-Se você promete entregar a mercadoria num determinado dia, deve honrar a palavra.

– Sim, entendi, mas e quanto à sabedoria?

– Sabedoria, filho, significa que não se deve prometer.

Aplicação: A comunicação do médico para o paciente deve ser treinada em função de certas premissas dadas pela experiência.

XII

Frequentava há muito o mesmo restaurante. Um dia:

– Garçom, experimente a sopa!

– Não há necessidade, já troco.

– Garçom, experimente a sopa!

– Está bem, se o senhor insiste… Mas onde está colher?

– Ah Hah!

Aplicação: Ouça o paciente sem pressupostos, disponha-se a entender seus motivos.

XIII

A mãe empurra o carrinho do bebê pela rua. Alguém se aproxima:

– Que lindo!

– Isso não é nada, você deveria ver as fotos dele.

Aplicação: Textos não devem substituir a apreensão direta do quadro clínico. O momento clínico passa e o registro no prontuário é para sempre. 

XIV

O vizinho pede emprestado uma corda.

– Sinto muito, preciso dela para secar farinha.

– Vai secar a farinha com uma corda?

– Não, mas quando não se deseja emprestar, qualquer desculpa serve.

Aplicação: Não dê uma resposta superficial ao paciente apenas para encerrar o assunto.

XV

O orador chama o circulante:

– Vá acordar aquele ali que dormiu.

– Eu não, o senhor o adormeceu, vá o senhor mesmo.

Aplicação: A responsabilidade do médico é individual.

XVI

-Eu nunca estive lá, mas desejo escrever um livro sobre o país.

– Quanto tempo vai ficar por lá?

– Três dias.

– E qual será o título do livro?

– Lá, ontem, hoje e amanhã.

Aplicação: Há vários modos de interpretar mesma situação para emitir um juízo.

XVII

-Profissão do pai?

-Ele já morreu.

-Sim, mas o que ele fazia?

-Estava doente dos pulmões.

-Estou perguntando como ele vivia?

-Tossindo sem parar.

-Mas disto não se pode viver.

-Pois é, eu não lhe disse que ele morreu.

Aplicação: O profissional da saúde precisa reajustar suas perguntas na anamnese quando percebe que as respostas não esclarecem sobre o que deseja saber.

XVIII

-Porque está pedindo desconto se não tem a intenção de pagar?

-Para reduzir o prejuízo dele.

Aplicação: O profissional da saúde não deve justificar que o que não pretende fazer do que deveria é para o bem do paciente.

XIX

-Doutor, falo sozinho, ultimamente.

-Muitas pessoas fazem isso.

-Mas o senhor não sabe como eu sou chato!

Aplicação: Cada paciente enxerga seus males ao seu modo.  

XX

-O que é que Eva fazia quando Adão voltava tarde? 

-Contava suas costelas.

Aplicação; Apenas humor, a impressão final é fundamental numa leitura. Concorda bioamigo?

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