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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

1102- Verba sumiu

Um dos temas mais importantes da Bioética é a alocação de recursos. Escassez de recursos prejudica o ecossistema da beira do leito pelo impacto no biótico e no abiótico. Vivencio há 52 anos, 49 dos quais com contrato e responsabilidade institucional, a realidade universal que as necessidades de saúde costumam exceder as finanças disponíveis e assim decorrem as exigências de decisões sobre judiciosas expansões e limitações.

O humor é uma virtude, a falta a valoriza. O humor pode ser tão somente algo engraçado, mas é também um estado de ânimo que desarma a seriedade e ajuda a aceitar a vida como ela sem inibir as reações produtivas. Na área da Saúde, apesar das tristezas recorrentes, o humor não é indevido, ele serve de estímulo para engajamentos otimistas, por exemplo, em projetos para melhor provisão de recursos.

George Washington Bezerra da Cunha (1945-2015), companheiro de vários textos bem-humorados sobre temas da saúde, na sua missão de Diretor da Farmácia do InCor, precisava lidar cotidianamente com os percalços da alocação de recursos. O texto que se segue, escrito por nós dois, expressa um momento em que havia o lamento coletivo pela escassez de verba institucional.

O conto é um testemunho do íntimo comprometimento de dois diretores com os vários aspectos da saúde de uma instituição de Saúde que aprendemos a amar. A dificuldade era sim motivo para nos mobilizarmos e cooperar no que fosse do nosso alcance, sob distintas formas.

Bioamigo, perante contratempo, podemos encontrar tempo favorável para o humor que ajuda a superar.

 

CONTOS DE FADA BASEADOS EM EVIDÊNCIA

Verba sumiu

Era uma vez a badalada Univer, cidade do Reino Encantado dos Sabichões, onde havia um condomínio de palácios cujos residentes conviviam com SUSditos.

No suntuoso Palácio do Ambulatório moravam o casal Ensino e Pesquisa, em companhia da vovó Assistência.

Naquela ensolarada manhã de muita disponibilidade gratuita de vitamina D veio a notícia manchete no Brazilian Journal of Medicine: Nasceu o tão esperado rebento na Maternidade Bico de Cegonha. Fora um parto difícil que exigiu muita habilidade do Mago Vernador.

O menino recebeu um crachá com o nome: Hospital das Clínicas. Na porta do quarto penduraram  a camisa 10 do Esporte Clube Funcionalismo Público.

O Rei Heitor convocou o Conselho Deliberativo das Fadas Professores do Reino para um parecer sobre o futuro daquela criança-esperança. Após muito bate-boca, o Bruxo-mor encaminhou o seguinte memorando:  Consultados Livros do Destino e Almanaques de Alquimia, concluiu-se que o recém-nascido HC sofrerá terrível maldição contra a qual nada poderá ser feito.

Os anos se passaram e HCzinho cresceu, quem o conhecia logo percebia um modelo de ser paciente. Já adolescente, num dos pontos facultativos do Reino, debaixo de uma figueira central, HC se divertia lendo Memórias D”Um Esteto, quando a campainha do Palácio tocou. Era uma velhinha que carregava um cesto coberto por um lençol.

Após alguns expedientes inevitáveis pela burocracia do Reino, a representante da velha-guarda internou-se Palácio adentro, as catracas não tinham ainda chegado apesar da encomenda há anos. Ela foi atendida pela Fada Ana Mnese, que obteve uma história do arco da velha.

-O que é que a senhora tem?

-Tenho um cesto para dar de presente.

-E o que a senhora está sentindo?

-Um peso danado no cesto.

-Desde quando?

-Desde quando fiz um transplante de idade.

-Ah! Então vamos fazer um exame no cesto.

HC surgiu neste momento e entrou no jogo-da-velha. Ele levantou o lençol e encontrou uma cachorrinha com uma coleira onde estava escrito VERBA.

– Será que o senhor vai poder cuidar disso?

-Vou sim, com carinho. Irei imediatamente providenciar uma operação.

A velhinha com sorriso maroto de bruxa olhou o relógio, alegou que era dia do rodízio da sua vassoura e, como por encanto, desapareceu.

HC intrigado consultou o HorósCopo de plantão: no dia de hoje você conhecerá uma palavra que marcará a sua existência. HC foi ao Aurélio, o bibliotecário do Reino, que esclareceu: Verba quer dizer palavra, é do latim. Era verdade, Verba latia mesmo.

HC acreditou que Verba era uma palavra dada para sempre e se apegou muito a ela. Verba tornou-se a companheira de todas as horas. Os dois eram vistos brincando de médico e enfermeira, pega-plantão e amarelinha, que lá chamavam de icterícia. Era só alegria!

Mas como não há bem que sempre perdure, num triste dia do segundo semestre, a Verba sumiu. Onde será que tinha ido parar a Verba? Todos indagavam no Reino.

Valeram-se de todos os recursos, não faltaram reuniões, debates, comissões e passeatas, mas nada da Verba voltar. Uma faixa pendurada no poste preferido da Verba comoveu pelos dizeres: Desapareceu a Verba. O HC deixou, por isso, de cuidar da sua saúde. Ajudem a recuperá-la!

Pelos caminhos da Consolação ou aos gritos de Te adoro, Te adoro, os SUSditos traziam solidariedade ao HC, mas ele permanecia inconsolável sem a Verba. Temiam que ele trancasse a porta para a vida, mas, por outro, lado, sabiam que só com a porta aberta é que a Verba poderia voltar ao Palácio.

Uma radiografia de perfil da situação mostrou que o complexo do HC estava desenvolvendo uma carência insuportável, uma ressonância urgente se fazia necessária por todo o Reino.

HC demorava nas tarefas de rotina, a vovó Assistência ficou quase paralítica, o papai Ensino e a mamãe Pesquisa ficaram deprimidos. Uma equipe de abnegados mágicos de todos os escalões fazia todos os truques possíveis para compensar as dificuldades do HC. A situação ficou caótica, não havia mais remédio, comentava-se nos corredores do Palácio.

Um dia, Verba voltou. Bem mais magra, mas devolveu o sentido de vida ao HC. Mas a maldição não terminara, HC continua a sofrer com sumiços periódicos da Verba. Foi pra valer!

PS: A angustiante situação impede que o conto de fadas termine com o tradicional  HC e Verba viveram felizes para sempre!

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