A Bioética da Beira do leito almeja integrar a voz da medicina – e das ciências da saúde de modo geral-, a voz do médico – e do profissional da saúde em geral-, a voz do paciente/familiar/representante e a voz do consentimento. A polifonia interessada por ajustes biopsicossociais.
O saber e o sofrer estão, antes de tudo, em pessoas, exclusividades de DNA reagindo a infinita pluralidade, aval da natureza para as heterogeneidades. Das ações e reações, resultam conflitos com representações biológicas e psicossociais na beira do leito.
O reconhecimento do contexto predominantemente biológico é imprescindível para a condução clínica. As manifestações formatam-se em cenários tão distintos como um liliputiano conflito entre microscópicos vírus e bactérias e a imunocompetência humana ou como um efeito de passagem de fármacos em direção ao local-alvo.
Os agregados de ordem psicossocial incluem “escolhas de Sofia”. Como do entendimento de um bem pode decorrer um outro de mal, choques de interesses costumam suceder na relação entre o médico que tem obrigações pela profissão e o paciente que exerce o seu direito à voz ativa. Ora ocorre uma recusa à recomendação, ora surge uma exigência inaceitável, ora acontece uma intercorrência inesperada, todas “fazem cair” a conexão médico-paciente.
Este é um “caso de livro!”. Colecioná-los, não basta na contemporaneidade da beira do leito. A biblioteca de patologias da beira do leito está cada vez mais apinhada de leituras distintas da linguagem tradicional do livro. É preciso (re)conhecer os modernos dialetos da beira do leito. Eles representam reuniões randômicas de retalhos de capítulos do livro com valores do paciente. Combinações formam acasos da beira do leito. Atualmente, capítulo de livro sofre a concorrência das diretrizes clínicas, o que tende a ampliar os dialetos.
Este é um “acaso da beira do leito!”. Colecionar suas infinitas composições biopsicossociais exige-nos uma hiperestesia clínica, a impulsão que nasce nos textos, cresce na aliança com o doente e amadurece no compromisso ético. É de grande interesse da Bioética da Beira do leito.
Os acasos da beira do leito são multipotentes. Eles se transformam em bumerangues acadêmicos, ideias de pesquisa clínica deles intuídas que vão, validades baseadas em evidências que vêm. Eles se convertem em empuxo humanístico, que traz à tona a parte do biopsicossocial submersa no iceberg pedagógico, oculta no aprendizado sobre a doença dissociado do doente. Eles mobilizam a Bioética da Beira do leito pretendendo a estabilidade do tripé de suporte aos desejos da sociedade quanto à atuação do médico: honestidade, sigilo e eficiência. Eles alertam que esquematizações podem ser tão didáticas quanto superficiais e ilusórias.
É a formalidade de uma predeterminação de tempo que faz da Residência médica tão-somente um prólogo da empatia com os acasos da beira do leito. A química segue sem fim, Residência tácita, ano após ano, na arte da beira do leito, pós-graduação para sempre.
O médico que permanece “residindo” à beira do leito mantém o crachá renovado de estudante de sua profissão. Nessa educação continuada, ele amadurece destrezas e maneiras de ser e desenvolve sensibilidade ao técnico em reciprocidade ao humano. Ele faz da habitualidade da beira do leito uma permanente defesa da tese quebramos o sigilo das doenças e não o do doente.
A pós-graduação longeva pari passu à ambientação diagnóstica/terapêutica/preventiva da beira do leito reúne coleções autênticas de acasos clínicos, catalogados um a um no acervo de legitimidades clínicas. O valioso patrimônio das particularidades da experiência precisa ficar exposto e disponível, em respeito ao hipocrático … com ele partilhar meus bens… ensinar-lhes esta arte… fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino… segundo os regulamentos da profissão…
Na metanálise pedagógica da beira do leito, os acasos clínicos vivenciados são compartilhados com a globalização dos relatos “fora de série” nas revistas, com as seletas reuniões anatomoclínicas e seus achados in vivo ou post-mortem, não intuídos pela clínica, e com as segundas-opiniões, manifestas formal ou informalmente.
A “memória clínica” resulta ampliada e na expansão elevam-se as chances da futura identificação de um “quase o mesmo”. O saber assim compacta-se como uma vara de equilíbrio para os percursos de risco por sobre a beira do leito.