O Residente de medicina é um jovem mágico que transforma uma pequena bolsa em grande bagagem. É um nômade que se hospeda – menos um inquilino e mais “um da família”. É célula-tronco pluripotente. É trabalhador plural, aprendiz singular. É adolescente do ser médico, prenúncio da maturidade profissional.
O médico recém-formado por imperativo dele próprio ingressa em um Programa de Residência Médica, pretendendo fronteiras avançadas, exigindo-se repercutir Aristóteles (384ac-322ac) em cenários mutantes: é fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer. Mesma pessoa, muitos significados de médico, infinitos papéis alinhados ao profissionalismo. Tudo acontece muito rápido.
O Residente de medicina acumula expertise ao cuidar mais de acasos de comorbidades do que casos de livros. Ele almeja florescer para si novidades dos pacientes, numa coleção sem catálogo. Rotinas dos serviços são eixos condutores de sucessivos rituais de passagem que acontecem segundo princípios, regras e normas institucionais.
A beira do leito – pequeno espaço, grandes oportunidades – é, o habitat instigante do Residente de Medicina, fonte do saber e da sabedoria que lhe exige determinação e lhe desperta uma palavra-chave do léxico do recém-formado: Vontade! Vontade é desejo+movimento e conduz para enraizar a maturação do ser/estar/ficar médico.
A Bioética da Beira do leito entende que Residentes de medicina desenvolvem-se como Residentes no Instituto da Vontade.
O Instituto da Vontade proporciona forte vínculo científico, cultural, moral, social e subentende:
- Envolver-se com distintos recortes dos Serviços;
- Usufruto da transdisciplinaridade;
- Dispor-se a ir além da obrigação;
- Dar movimento ao conhecimento;
- Descobrir inéditos;
- Expressar juízos de indispensabilidade;
- Familiarizar-se com a aplicação da Ética e do legal;
- Equilíbrio entre tecnociência e humanismo;
- Equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional;
- Metamorfose de caçador-coletor em empreendedor-transformador.
O Instituto da Vontade motiva:
- Faça! Fazer é desafio catalisado pela vontade e orientado na beira do leito pela conjugação entre beneficência/não maleficência e respeito ao direito à autonomia.
- Aprenda com os erros! Lembre-se de que médicos com vontade inventaram a correlação anatomoclínica, simbolize-a como expressão do caminho do acerto.
- Registre dúvidas! As dúvidas são indicadores da vontade de aprender e bem.
- Distinga tipos de insucesso! Há os relacionados a medicina ser o limite superior do ser médico e há aqueles associados a deficiências pessoais, institucionais e do sistema de saúde e que sobrepujam a sua vontade pelo sucesso.
- Disponha-se a ser camaleão no ecossistema da beira do leito! Chamaelèon nosocomialis, em analogia a mus nosocomialis cunhado pelo professor catedrático (Waldemar Berardinelli, 1903-1956), charme à época para rato de hospital.
- Valorize a humanidade em comum! Seja um humano com vontade de cuidar como humano. Nem tudo que é padrão-ouro para médico reluz para o paciente.
- Honre a tradição da anamnese e do exame físico de cada paciente, considere como escova de dente! Tenha sempre vontade de possuir a própria.
- Comunique-se de modo simpático e não seja vago! A vontade de esclarecer ao paciente e aos familiares aperfeiçoa o diálogo. Calibre-se como justa “bula de riscos-benefícios”, pondere sobre o timing e o desenvolvimento de certas comunicações de más notícias.
- Quebre o segredo da doença, não o sigilo do doente! Essa vontade hipocrática é patrimônio tombado do ser médico. Lembre-se que Hipócrates (460ac-370ac) é o Pai da medicina e você é um dos seus filhos por ofício.
- Cuide bem de si e como espelho para o seu paciente, não reflita: faça o que eu digo, não o que eu faço. Inclua-se na vida profissional sem se excluir da pessoal. Sinta-se de plantão permanente contra o burnout. Considere-se um generalista na atenção aos riscos da insalubridade emocional e um especialista no reconhecimento das suas expressões subclínicas.
O Residente do Instituto da Vontade capacita-se a bem entender a ironia de Platão (427ac-347ac): Desejos são falta de algo, por isso, quem tem grandes desejos está em pior condição” dos que não t~em nenhum ou apenas alguns poucos.
Adaptado de Grinberg M, Accorsi TAD- Residente formado no instituto da vontade: os requisitos desejo, movimento e superação. Arq. Bras. Cardiol. 93 (2):e42-e44, 2008.
2 respostas
Ótimo texto! Trabalhar com as futuras gerações é um privilégio e uma responsabilidade!
É interessante ver como os alunos mudam quando se tornam residentes, e creio que este texto nos fala muito bem porquê. Alunos de graduação que, até então, pareciam meninos, às vezes muito sabidos, às vezes bem menos do que se acreditavam ser, de repente se tornam residentes, médicos com carimbo de CRM e muitas responsabilidades de gente que enfim maturou. Vejo-os então mais velhos, mais concentrados, e mais próximos. Os residentes, ao ter de lidar com todos os desafios sobre os quais esse texto tão bem discorre, parecem acabar por desenvolver mais consciência de si mesmos e dos outros, que considero competência básica sem a qual dificilmente se consegue o exercício verdadeiramente ético da medicina. Parabéns pelo texto, Prof. Max!