A natureza tem devir – a maçã é devir de uma semente específica. A beira do leito tem “há de vir” de uma situação clínica. A conexão profissional da saúde-paciente/familiar-ciências da saúde tem a bioética com suas preocupações sobre o porvir (por-vir).
A maçã cai da macieira numa determinação evolutiva da natureza e com a participação da lei da gravidade. A situação mórbida evolui por uma história natural e provoca níveis de gravidade clínica. Conflitos na âmbito da conexão profissional da saúde-paciente/familiar-ciências da saúde requerem atitudes com gravidade crítica.
A Bioética da Beira do leito sugere que a homonímia em torno do vocábulo gravidade, ou seja, mesma pronúncia com distintos significados não relacionados e aparentemente com independência de origem semântica, conforme acima exposto, pode servir para uma pedagogia sobre a ética no profissionalismo na beira do leito.
Assim como o devir do ovo da borboleta é uma metamorfose e o devir da semente pode produzir um fruto anômalo, há o potencial de múltiplas formas e atipias de expressão clínica do “há de vir” das doenças, que torna cada doente “uno”, vale dizer único por ser singular a combinação de objetividades e subjetividades num ser humano, especialmente se ainda mais vulnerável. A beira do leito testemunha que a repetição de casos nunca é de exatos mesmos casos, sempre há algo diferente, acarretando a habitual sucessão de acasos da beira do leito. Nunca se sabe o que “há de vir”, por mais que haja aplicação do estado da arte com excelência.
A Bioética da Beira do leito preocupa-se em identificar as diferenças de expressões biológicas dos casos e de suas interpretações humanas pelo potencial do “há de vir” conflitos da beira do leito, é impossível inexistirem mesmo em pequeno grau de confronto e rapidamente contornável. Num dia habitual de ambulatório, o médico atende sob tranquilidade um caso de diabete que está estável, a realização de um “há de vir” clínico evolutivo pela ótima adesão do paciente à recomendações, e, a seguir, estressa-se em outro caso também de diabete, que poderia se superpor ao anterior, mas que é um “há de vir” gravidade clínica por má adesão às orientações e um “há de vir” cogitável de um choque com a realidade em decorrência da frustração com expectativas próprias, com disparos de acusações de negligência profissional pelo paciente/familiar.
Se doenças provocam fluxos, seguem cursos sob distintas influências etiopatogênicas sabidas e não sabidas, as ciências da saúde possibilitam contra fluxos, ou seja, substituições do “há de vir” natural por “há de vir” sob controle pela tecnociência. Tendo o devir da natureza como ponto de referência, a Bioética da Beira do leito entende que os contra fluxos, quer de ordem terapêutica, quer de ordem preventiva, admitem metáforas como metamorfoses e atipias.
A Bioética as enxerga como combinações de beneficência – metamorfoses segundo as expectativas de sucesso evolutivo- e de maleficência – atipias evolutivas. O devir do ovo e da semente não subentende influências de desejos por determinada combinação de cores da borboleta ou por um fruto menos ácido, mas as inter-relações entre o “há de vir” da história natural e o “há de vir” da contraposição pela tecnociência admitem influências do desejo, mais claramente, o direito do paciente à voz ativa no processo de tomada de decisão sobre suas necessidades de saúde, vinculado ao princípio da autonomia.
A Bioética da Beira do leito conjectura sobre uma superposição entre o devir conforme a natureza e o “há de vir” das doenças tendo o genoma como base – portador de hereditariedade para uma morbidade-, ideia que novamente traz à baila a Bioética em função das implicações pessoais e sociais do conhecimento das potencialidades de morbidades. De fato, cada indivíduo ao ser rotulado como um singular plural pode ser beneficiado na prevenção, no diagnóstico diferencial, na seleção da terapêutica, mas pode, também, ser prejudicado, não somente por um efeito espada de Dâmocles (sentimento de dano iminente), como também de discriminações trabalhistas, por exemplo.
A pesquisa clínica tem alto valor sobre os significados de ilações entre devir, “há de vir”, metamorfoses e atipias e introduz um porvir mais evidente. Ela é impulsionada pela dúvida que aconselha substituir sustentações de beneficência/não maleficência pelo uso da imaginação e da analogia baseada em vivências por bases mais sólidas de evidências científicas.
Como só evolui o que se acha em movimento, a pesquisa clínica contribui para que as movimentações das ciências da saúde aconteçam com maior “há de vir” repetido de utilidade, eficiência e segurança. Em outras palavras, num contexto terapêutico ou preventivo, reduzindo chance de coexistências entre desejáveis metamorfoses (beneficência evolutiva) e indesejáveis atipias (adversidades maleficentes).
Uma resposta
Prezado Prof. Max Grinberg
Lemos com atenção o seu post sobre o devir aplicado à prática clínica. O tema é de muito interesse prático e foi tratado com profundidade. Conciliar exercício de acolhimento a pacientes e familiares, terapêutica nos contexto contínuo de avaliações prognósticas é da essência da prática, ampara-se e às vezes traz dilemas bioéticos. Sua contribuição acrescenta ao tema.