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1073- A Bioética adquiriu o direito de existir (Parte 4)

Muito embora profissional da saúde fortemente envolvido com doenças, por mais que nos esforcemos, não conseguimos definir doença de uma maneira analítica óbvia, de modo que fique à altura dos desafios contemporâneos da abrangência e da profundidade para profissionais e para leigos.

Percebemos que a tarefa para ganhar significado prático exige a árdua agregação de um conjunto de conceitos, indispensável para melhor lidar com as mil e uma maneiras com que doenças impactam no ser humano. Acresce que a empreitada não pode estar isolada de interpretações sobre a saúde que como se sabe resultam cada vez mais voláteis.

De fato, aglomerar é preciso, pois se hierarquizarmos como suficiente para ser uma doença algo habitualmente indesejável pelo ser humano, haverá indesejáveis que não são doenças; se bastar como um dano causador de sofrimento e incapacidade, haverá o portador assintomático, a dentição ou a hipercolesterolemia tão somente fator de risco; se como uma disfunção, haverá a situação dita leve; se como além do controle ou responsabilidade direta da pessoa, haverá muitas ideias sobre situações fora do alcance; se como uma anormalidade estatística, haverá o debate sobre o envelhecimento saudável.

Desta maneira, quaisquer exercícios ao redor do conceito de doença admitirão ambiguidades, no sentido em que os cogitados poderão ser usados distintamente por diferentes observadores sob vários contextos.DDEE1

Por isso, a Bioética da Beira do leito  apregoa a conveniência da combinação prática DDEE de critérios para a conceituação de doença: Disfunção+Dano+Explicável por fatos relativos à biologia/psicologia humana+Excede o controle direto da pessoa. Evidentemente, refinamentos acerca de aspectos epidemiológicos e pessoais são necessários para a adequação aos propósitos individualizados da beira do leito, para sustentar indicações, não indicações e contraindicações de condutas.

A história da medicina inclui ritmos de descobertas, tratamentos e prevenções de doenças e parafraseando Sun Tzu (544 ac-496 ac) em seu texto original sobre guerra e paz, na saúde é preciso preocupar-se com a possibilidade da doença e na doença é preciso revalorizar a saúde.

Há um lado histórico bem curioso que foi destacado por Oliver Wendell Holmes (1809-1894) acerca do poder da observação da natureza: medicina… aprendida a partir de um monge como usar o antimônio, de um jesuíta como curar gota, de um frade como lidar com pedras, de um marinheiro como evitar o escorbuto, de um agente do correio como desobstruir a trompa de Eustáquio, de uma ordenhadeira como evitar a varíola, de um pagão japonês como usar a acupuntura e de um selvagem americano o valor da lobélia.

É estarrecedor quando nos damos conta da abundância de etiopatogenias congênitas e adquiridas, causas internas e externas ao corpo, convivências suportáveis e insuportáveis, fatores de risco perfeitamente evitáveis e temerariamente adotados. Há o novo vírus revigorante em mutações, há o tabaco viciante, há o genoma intransigente.

Lacunas se renovam e resultam preenchidas, muitas vezes, por um determinado termo, na verdade tão somente um rótulo vago que aspira a sanar a falta semanticamente, ou seja, assume um modo apenas linguístico pretensamente em substituição à ausência do conhecimento das essências- Ah! É tensão emocional… É mau jeito… É uma dispepsia.

Uma rápida consulta ao instrumento epidemiológico conhecido como Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) evidencia que há múltiplas e diversas chances bioestatísticas de comprometimento do bem-estar do ser humano e de necessidades de condutas terapêuticas e/ou preventivas visando à restauração (por exemplo, uma antibioticoterapia) e/ou preservação do bem-estar da pessoa (por exemplo, eliminação de fatores de risco em algum órgão). O Goldman-Cecil Medicina de 2018 é um livro de 3112 páginas.

O focado melhor interesse do paciente alinhado ao prioritário bem-estar pode ser associado quer ao que ele individualmente liga a satisfação de desejos, preferências, objetivos e valores, quer ao que pode constar numa relação teórica e objetiva  acerca de saúde aplicável para qualquer ser humano- inclui a preocupação com dor e sofrimento.

Esta maneira de acontecer leva a condução de questões sobre doenças para o lado do que o paciente define para a sua vida com liberdade para planejamentos e tomadas coerentes de decisão, apesar dos excedentes de vulnerabilidade.

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